Acossado por um déficit orçamentário inédito, e com apoio apenas simbólico do governo Temer, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, numa ousada operação solo, fez uma arriscada mexida no tabuleiro do xadrez político-administrativo do seu estado. Sem a companhia dos demais estados enroscados na mesma teia de déficits expressivos (no ano que vem serão quase todos), encaminhou à Assembleia um bem concebido, mas polêmico, pacote de medidas de ajuste, voltado para levantar pelo menos 70% das necessidades de fechamento das contas do estado de 2016. O acerto do restante do buraco terá ajuda da União ou viraria atrasos expressivos de pagamentos. No centro do pacote está a elevação generalizada das contribuições dos servidores à Previdência para 30%.
Centrado na complicada questão da Previdência Pública, o diagnóstico de Pezão é o mais realista da praça. Diante de déficits previdenciários bastante elevados e da resistência de Legislativo/Judiciário e das secretarias dotadas de receitas cativas (Saúde e Educação) a colaborar no financiamento dos gastos de seus próprios aposentados/pensionistas, os governadores não têm como cobrir essas despesas.
Somado aos gastos mínimos das demais secretarias, onde se destaca a de Segurança Pública, e mesmo descontadas outras receitas complementares, o alto déficit previdenciário conduz a um buraco financeiro bastante elevado.
Depois que se consideram aqueles nichos orçamentários privilegiados e o pagamento do serviço da dívida, sobra no Rio, com base em 2015, apenas uma parcela de 34,8% da sua receita corrente líquida (RCL). Esse valor é incapaz de atender simultaneamente à conta de aposentados ao redor de 26,1% da RCL e ao menor gasto possível no orçamento residual, após deduzidas outras receitas, que se situou ao redor de 17,1% da RCL, sobrando um buraco de 8,4% da RCL.
Mas o dramático mesmo é que, para 2016, o buraco foi reestimado há pouco em chocantes R$ 17,2 bilhões, ou 33% da RCL de 2015, pela adição da combinação perversa da recessão barra pesada que ora enfrentamos com o efeito da forte queda do preço do petróleo, que derrubou drasticamente sua receita de royalties. Nada disso é responsabilidade do estado.
Os críticos de Pezão jogam na sua cara o crescimento recente do gasto de pessoal, mas precisam saber que, depois de pagar a conta de aposentados herdada do passado, ele só atua sobre 8,7% da RCL. Devem, assim, cobrar mesmo é dos verdadeiros “donos do orçamento” acima indicados.
Outro erro é cobrá-lo por dados divulgados de forma no mínimo atabalhoada pelo Tesouro Nacional, que divergem das informações fornecidas pelo estado, sem pedir antes que especialistas chequem essas informações. Não se pode esperar que, acossado numa entrevista, e no meio da guerra para fechar o caixa do ano, qualquer governador tenha como explicar esses detalhes.
Pezão aprendeu a duras penas que só sai da encrenca se equacionar o problema da Previdência Pública, como, aliás, manda a Constituição, no seu artigo 40, a respeito de que ente público algum fez qualquer coisa até hoje, inclusive a União. Todos os anos são publicados déficits atuariais gigantescos, mas nada se faz para zerá-los.
Por isso, ele propôs à Assembleia um aumento de contribuição aparentemente absurdo. Só assim terá espaço para gastar mais em serviços que atendam a toda a população, especialmente a carente, e não apenas a servidores públicos.
Para acertar as contas conforme manda a Constituição, é preciso criar um fundo de pagamento de inativos e pensionistas (o que o Rio já fez há algum tempo) e destinar ao fundo ativos e recebíveis em geral para ajudar no financiamento das despesas (o Rio já colocou alguns imóveis, um pedaço da dívida ativa e royalties do petróleo, mas obviamente tem de colocar tudo que puder). Além disso, é preciso pressionar para o governo aprovar uma reforma da Previdência que reduza os gastos no futuro (Pezão praticamente se mudou para Brasília), pois isso não é competência estadual, e no final fechar a conta com aumento de contribuições. É assim que se faz em qualquer fundo de pensão no país e no mundo. Por que estranhar? (a não ser que se queira que a sociedade como um todo arque com o privilegiado sistema previdenciário dos servidores para sempre).
Finalmente, Brasília tem de definir se vai mesmo entregar Pezão (ou melhor, o Rio) aos leões. Um motivo alegado é que antecipar dinheiro de venda de recebíveis, como o Rio pediu, pois o mercado demorará a viabilizar isso, impacta o déficit primário de R$ 170 bilhões perseguido pelo governo. Aprovando o pacote, o Rio precisará de uns R$ 5 bilhões, 2,9% do déficit da União. O pior é que, como demonstro em artigo que postei em www.inae.org.br e em meu blog, por se tratar de mera troca de instrumentos financeiros (dívida e debêntures, por exemplo), a dívida líquida não se altera — e, portanto, o déficit primário fica o mesmo.
Ainda que alterasse, o governo teria de explicar ao Rio por que financia o maior déficit de nossa história com emissão, arriscando-nos à volta da hiperinflação, em vez de fazer o mesmo que Pezão está tentando. Medo da reação dos servidores?
Fonte: O Globo, 14/11/2016.
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