“Não acho que quem ganhar ou quem perder (…) vai ganhar ou perder.” Esse trecho da curiosa frase da ex-presidente Dilma pode ser, ironicamente, uma boa descrição do resultado das eleições. Mas há luz no fim do túnel.
Essa não foi apenas mais uma eleição. O momento é particularmente difícil. Primeiro, as cidades enfrentam grave quadro fiscal, principalmente as capitais que sofrem com os gastos crescentes com aposentadorias e pensões. E as prefeituras precisarão retomar, em 2021, os aportes nos seus regimes próprios de previdência e o pagamento do serviço da dívida, suspenso este ano.
Segundo, a perspectiva de vacinação em massa é uma miragem, devendo a pandemia ainda afetar o setor de serviços e, portanto, a arrecadação do ISS, enquanto os gastos com saúde se mantêm elevados. Além disso, será necessário o reforço na educação, depois do ano perdido.
Em muitos casos, o prefeito será administrador de restrições fiscais, enquanto enfrentará dificuldades políticas para aprovar reformas nos Legislativos tão fragmentados.
Assumir prefeituras neste momento implica arriscar a carreira política. A euforia dos vencedores agora poderá se transformar em mal-estar rapidamente. Por outro lado, os derrotados poderão se preservar do enfrentamento dos grandes problemas. Estarão no confortável papel de oposição, sem muita responsabilidade nas críticas e sem contribuir para a solução dos problemas dentro do Legislativo.
Vejamos o caso do DEM, com sucesso inquestionável na eleição. O partido recuperou a estatura de 2008 e perdida nas duas eleições subsequentes. No entanto, a prefeitura do Rio de Janeiro, sua maior conquista, terá enorme abacaxi para descascar, pois a cidade está no grupo daquelas com piores indicadores fiscais.
O quadro das finanças nas capitais não é homogêneo, o que é natural em algumas métricas. Cidades mais ricas têm maior capacidade de arrecadação e, portanto, endividamento. A dívida média das capitais estava em 26,4% da receita corrente líquida em 2019, mas em um intervalo que vai de 6,1% (Boa Vista) a 80,3% (São Paulo).
Já a rigidez orçamentária é problema na grande maioria, por conta dos gastos com pessoal. A discussão está muito mais para quem está menos pior. No Índice Firjan de Gestão Fiscal, 70% dos municípios têm situação crítica ou difícil nesse quesito. Destoa bastante o Rio de Janeiro, com 79% da receita líquida comprometida com o gasto bruto com pessoal. São Paulo, no outro extremo, mas não isolado, tem 46,3%.
Outro indicador calculado pelo Tesouro Nacional é a proporção do orçamento comprometida com gastos de custeio, que visa a medir o grau de rigidez orçamentária. Patamar mais baixo pode significar maior capacidade de investir. Mais uma vez, dentre as capitais, o Rio de Janeiro é a pior delas, com 66,3%. Merece aplausos Salvador, com 44,9%. Talvez isso ajude a explicar o feito de ACM Neto de eleger seu sucessor, Bruno Reis, depois de dois mandatos.
Com base em um exercício simples, avalio que dois fatores podem ter contribuído para explicar a capacidade dos atuais prefeitos de se reelegerem (no primeiro ou segundo turno) ou elegerem seu sucessor: a competência em lidar com a pandemia, medida pela quantidade de mortes em relação à população, e a situação fiscal, medida pela razão entre o gasto com custeio e o gasto total – em que pese o fato de poder haver relação entre eles.
Um exemplo de sucesso foi a eleição em primeiro turno de Alexandre Kalil em Belo Horizonte, cidade que se destaca favoravelmente nos dois quesitos acima.
O tema merece investigação mais profunda. De qualquer forma, os dados sugerem que boas gestões foram valorizadas pelos eleitores, mesmo que em meio à polarização. Uma boa notícia.
Uma palavra final: vale a pena os governadores não repetirem os erros do presidente e coordenarem esforços dos municípios, estimulando as boas gestões e replicando políticas públicas bem-sucedidas. O benefício será de todos.
Fonte: “Estadão”, 03/12/2020
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