O mundo, os mercados, o Brasil ainda estão digerindo o resultado das eleições americanas e a vitória de Donald Trump. Sem visão clara sobre os ocupantes dos principais cargos – sabemos apenas que Reince Priebus, chairman do comitê republicano, e Steve Bannon, ex-Goldman Sachs e chairman da ultra-conservadora empresa de comunicação Breitbart News, serão seus assessores mais próximos –, há muita especulação. Contudo, a despeito de como se formará a administração Trump e de quais serão os seus rumos econômicos, algo parece certo: não há qualquer cenário que beneficie o Brasil.
Tomemos o enredo que os mercados internacionais abraçaram nos últimos dias. Segundo a trama, Trump haverá de modular consideravelmente a retórica de campanha, sobretudo na área comercial. De acordo com essa visão, o protecionismo será moderado – Trump não sairá por aí rasgando acordos comerciais nem solapando tarifas proibitivas em alguns de seus principais parceiros comerciais. Moderada, também, será a política de imigração – saem de cena as deportações em massa, cedendo lugar à extradição de ilegais que tenham cometido crimes em solo americano.
As primeiras declarações de Trump e de Paul Ryan, porta-voz da Câmara, corroboram a tese de que a imigração será tratada de forma mais suave do que os brados de campanha. A ver. Sem tanto protecionismo e com um política de imigração mais moderada, sobram os efeitos da gigantesca expansão fiscal pretendida. Os esboços de Trump na área fiscal sugerem redução expressiva dos impostos corporativos e aumento igualmente expressivo dos gastos, sobretudo na área de infraestrutura. Com Congresso inteiramente republicano, é provável que o presidente eleito consiga levar tais planos a cabo, ainda que em magnitude inferior aos 6% do PIB pretendidos.
O cenário de maciça expansão fiscal condiz com inflação em alta mais acelerada do que se supunha há poucos meses. Portanto, o caminho para a alta de juros promovida pelo Fed seria bem diferente daquele que se delineara. Menos gradualismo no aperto, mais altas pela frente. É esse o principal motivo para que se tenha visto no Brasil, e em outros mercados emergentes, aguda reprecificação de risco, com desvalorizações abruptas e esfriamento da euforia reinante. Caso esse quadro se concretize, poucas dúvidas restam de que o Banco Central brasileiro não terá espaço para promover a queda de juros que os mercados e, sobretudo, as empresas e as famílias brasileiras esperavam.
Poder-se-ia dizer, inclusive, que o BC perdeu o timing – talvez tivesse sido melhor promover a redução mais acentuada dos juros na esteira da euforia que inaugurou o governo Temer e que agora se apaga nem tão lentamente. As previsões de crescimento já foram revistas para baixo pelo próprio governo – não mais do que 1% em 2017.
O segundo cenário, hoje tão provável quanto o dos mercados, é que Trump seja mais protecionista, faça sua expansão fiscal e, além de tudo isso, continue a ser o provocateur da campanha. Mais protecionista não significa rasgar acordos, mas significa retórica aguerrida que acirre os riscos geopolíticos e, sobretudo, a incerteza.
Daqui para frente, afinal, são suas palavras que ditarão os rumos dos mercados, mais do que as de Janet Yellen ou de qualquer outra autoridade. Trata-se da política sobrepondo-se à economia, como temos visto nesse nosso Brasil encalhado. Como nos revela nossa própria experiência recente, quando a política se impõe dessa maneira perversa, as “melhores intenções” não produzem os melhores resultados – paira a incerteza. Em ambiente assim, é possível vislumbrar os EUA crescendo pouco, mas com mais inflação.
Dito de outro modo, dá para imaginar cenário de semiestagflação. Esse quadro não propele a economia mundial e, de quebra, desarranja ainda mais os países emergentes, já que o Fed terá de elevar os juros mais rapidamente do mesmo modo.
Não falei do cenário em que Trump faz tudo o que prometeu – faltou espaço. Em uma palavra? Catástrofe.
Portanto, assim estamos. Entre Trumps e Brazumps, nosso futuro acaba de ficar bem mais obscuro.
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