Mário Henrique Simonsen fez uma vez um comentário sobre a tendência nacional a transitar pelo absurdo: “Há 50 anos distribuíam-se prêmios a quem conseguisse reunir o máximo de tolices em frases curtas. Lembro-me de uma sentença lapidar: ‘Os quatro evangelistas são três: Esaó e Jacu’. Durante muito tempo o debate econômico no Brasil foi pontilhado por afirmações de igual quilate bestialógico. Felizmente, o padrão cultural melhorou bastante em nossos meios de comunicação e, atualmente, há apreciável nível de racionalidade em nossas discussões. Mas, de vez em quando, ocorrem algumas recaídas.”
Simonsen estava se referindo à importância que a mídia estava dando ao jornalismo econômico, com o prestígio crescente de nomes como Míriam Leitão, Celso Pinto, Joelmir Beting, Sardenberg e outros profissionais que ajudaram o brasileiro a entender melhor aqueles anos difíceis que o país viveu no tempo da alta inflação.
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A propensão brasileira a ignorar os limites da realidade, porém, continuou se manifestando ao longo dos anos, mesmo depois da estabilização. Talvez não haja melhor exemplo disso que o que aconteceu em 2017 no debate sobre a Previdência, quando a tese de que esta não teria déficit ganhou amplo espaço, representando um obstáculo para o avanço da proposta no Congresso.
Erros têm consequências, porém — e se pagam caro. Por isso, com Rodrigo Zeidan, lançamos no fim de 2018 o livro “Apelo à razão — A reconciliação com a lógica econômica” (Editora Record). A motivação foi tentar alcançar o público não acadêmico com uma argumentação, sempre que possível, com bom suporte em dados, mas em linguagem passível de ser compreendida pelo leitor não especializado. Foi nossa tentativa de contribuir para o debate, num momento tão importante para a definição dos rumos futuros do país.
Dividimos o livro em cinco blocos. No primeiro (“O caos e a salvação no reino da política”) explicamos o ambiente no qual estão inseridas as autoridades que tomam as decisões sobre a política econômica, reconhecendo que não conseguiremos sair da crise sem ser através da política.
O segundo (“Demografia, Orçamento, Previdência e os limites incômodos”) apresenta uma série de dados que é importante dominar acerca da realidade demográfica, fiscal e previdenciária brasileira, ajudando a definir escolhas que terão que ser feitas pelo país.
O terceiro (“Como escapar da armadilha da renda média”) aborda o desafio no qual tantos países fracassaram e que, após terem vencido a extrema pobreza, viram frustrada a intenção de dar o salto para o desenvolvimento.
O quarto (“Um mundo em mutação”) mostra as transformações pelas quais o mundo inteiro está passando, no movimento de “uberização” global em que uma série de modelos de negócios, profissões e formas da sociedade funcionar está sendo colocada em xeque.
Por fim, o quinto e último bloco (“Brasil 3.0”) apresenta o roteiro para uma agenda de modernização do país. Além de um ambiente de estabilidade macroeconômica e de uma mudança da educação, essa agenda exige a adesão das autoridades a uma filosofia econômica baseada na competição, com a aceitação plena das regras do jogo de um sistema no qual a concorrência entre pessoas, entre empresas e entre economias nacionais precisa ser vista como o grande pilar do progresso de um país, com políticas públicas que aumentem a oportunidade de mobilidade social.
O Brasil se acostumou a viver com a ideia de que o país estaria fadado a ter um destino de grandeza. No debate dos anos 80, ficou famosa a indagação de um dos participantes, expressa na seguinte frase: “E se o país não der certo?”. Depois, o êxito do Plano Real e os anos 1995/2010 pareceram dissipar esses temores. Nos últimos anos, eles voltaram.
+ No lançamento de seu novo livro, Giambiagi fala sobre desafios para a área econômica
O livro coloca, no fim, duas grandes mensagens. A primeira é que, sem reformas, o Brasil de nossos filhos será sombrio. A segunda é que o futuro só depende de nós, e as reformas são exequíveis.
Ao leitor que quer se aventurar na viagem, boa leitura.
Fonte: “O Globo”, 12/03/2019