Apesar da melhora modesta, embora visível, as contas públicas no Brasil são um desastre à espreita.
Tomando o governo como um todo (ou seja, União, estados e municípios, bem como suas empresas), o balanço primário aponta para um déficit equivalente a 1,4% do PIB nos 12 meses terminados em fevereiro (R$ 95 bilhões a preços daquele mês), pouco menos da metade do registrado em setembro de 2016, quando atingiu 3% do PIB (R$ 203 bilhões a preços de hoje).
Já o resultado “recorrente”, sem receitas extraordinárias, mostra também progresso, mas em menor escala: depois de bater 3,7% do PIB em 2016, o déficit primário recorrente caiu a 2,6% do PIB em fevereiro, ainda longe, porém, dos níveis que permitiriam a estabilização da dívida pública relativamente ao PIB.
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Parcela considerável dessa melhora reflete o comportamento das despesas federais a partir de 2017, logo após a aprovação do teto constitucional no fim do ano anterior. Em dezembro de 2016, o governo federal gastava R$ 1,317 trilhão (20% do PIB), valor que se reduziu para R$ 1,305 trilhão (19,5% do PIB) agora em fevereiro.
Não é pouca coisa: depois de praticamente 20 anos consecutivos de crescimento acima da inflação (e também acima do crescimento do PIB), o gasto federal finalmente se estabilizou. Posto de outra forma, a política fiscal, que foi expansionista ao longo de décadas, tornou-se bem mais moderada de 2016 em diante, mérito inegável da equipe econômica.
No entanto, se olharmos com mais cuidado como o resultado foi obtido, os limites da estratégia ficam bastante claros. As despesas obrigatórias (benefícios previdenciários, pessoal, abono e seguro-desemprego, o benefício de prestação continuada, BPC, entre outros) continuaram a subir, chegando a R$ 1,047 trilhão em fevereiro, ante R$ 1,018 trilhão em dezembro de 2016.
Em 2016, essas despesas equivaliam a 77,3% do gasto federal; em fevereiro essa proporção se elevou a 80,2%.
Foi apenas o corte das chamadas despesas “discricionárias” (na verdade metade delas é obrigatória) que permitiu a redução geral do gasto, em particular no caso das despesas do Executivo, cuja queda chega a R$ 30 bilhões nesse mesmo período, principalmente no que se refere ao investimento.
Esse arranjo não é sustentável. A despesa discricionária não pode, claro, ser negativa, e, para ser sincero, bem antes de chegarmos a isso o governo deixaria de funcionar. Para que se dê continuidade à redução do gasto público, é necessário domar as despesas obrigatórias, entre elas a previdenciária, responsável, de longe, pela maior fatia do Orçamento (quase 60% entre o INSS, aposentadorias e pensões do funcionalismo e o BPC).
Nesse caso, em particular, o progresso foi nenhum, cortesia da pressão das corporações, de um Congresso que não está à altura do desafio e de um Executivo que perdeu o ímpeto, por força de suas óbvias limitações políticas, reforçadas na semana que se passou.
Caberá, portanto, aos eleitos em 2018 a tarefa de tornar permanente o ajuste fiscal que ora se desenha, por meio de reformas que poucos candidatos (e nenhum dentre os líderes das pesquisas) têm coragem de defender.
Não se engane: apesar da calmaria, a situação é delicada e a inação nessa frente terá severas consequências negativas no futuro não tão distante.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 04/04/2018