A possibilidade de se aposentar precocemente, por tempo de contribuição, acaba diminuindo o potencial de crescimento da economia, porque retira da força de trabalho pessoas em plena capacidade produtiva. A perda anual com a saída precoce do mercado de trabalho dos cerca de 900 mil brasileiros que se aposentaram, em média aos 58 anos, em 2014, gira em torno de R$ 24 bilhões ou 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país). É o que mostra estudo inédito dos economistas Bruno Ottoni e Fernando de Holanda Barbosa Filho, do IBRE/FGV.
Esse montante diz respeito à renda do trabalho que esse grupo deixou de gerar ao trocar o emprego pela aposentadoria. Os autores do levantamento consideram precoces todos os aposentados com menos de 65 anos, idade mínima que deve ser estipulada para a aposentadoria na reforma da Previdência proposta pelo governo de Michel Temer. Para analistas, a nova regra ajudaria a eliminar estas perdas. Por outro lado, trabalhadores na casa dos 50 anos argumentam que a dinâmica do mercado de trabalho, que privilegia a contratação de pessoas mais jovens, acaba tornando a aposentadoria a única possibilidade de renda a partir de certa idade.
— A aposentadoria precoce é um mal sob qualquer ótica: retira gente produtiva do mercado, aumenta o dispêndio público e incentiva pessoas em plena capacidade de trabalho a não participar do mercado — resume o economista Paulo Tafner, que foi coordenador do Grupo de Estudos da Previdência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Aposentadoria por falta de opção
Barbosa Filho lembra que o componente demográfico agrava esse quadro, pois a tendência é que a população brasileira passe a ter menos jovens e mais idosos em três décadas:
— As aposentadorias precoces são um problema grave, pois a produtividade tem de aumentar se quisermos ver a economia crescer. A reforma da Previdência é totalmente inevitável.
De acordo com os autores, quando o grupo que se aposentou precocemente em 2014 completar 65 anos, que seria a idade mínima para se aposentar , eles terão deixado de gerar R$ 170 bilhões em riquezas para a economia brasileira. Todos os cálculos foram feitos com base nos dados sobre renda e mercado de trabalho da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicilio (Pnad), de 2014, que eram os mais recentes quando o estudo foi elaborado.
— Entre esses 900 mil que se aposentaram antes de 65 anos em 2014, tem o trabalhador que saiu do mercado, que é o pior caso, pois deixou totalmente de produzir renda, e tem aquele que até continua trabalhando, mas com um salário menor, só para não ficar em casa, pois já tem renda garantida — explica Ottoni.
Na quinta-feira passada, a operadora de telemarketing Monica Ribeiro, de 56 anos, e o eletrotécnico Alexandre Araújo, de 54, deram entrada no pedido de aposentadoria por tempo de contribuição. Ambos se sentem com saúde, disposição e produtividade para seguir em suas carreiras. No entanto, os dois ficaram desempregados recentemente e não conseguiram mais se recolocar. Viram na aposentadoria uma possibilidade de garantir renda em um momento em que se sentem duplamente ameaçados: pela falta de perspectiva de conseguir uma vaga de emprego e pela iminente reforma da Previdência, que mudará as regras da aposentaria.
— Não fosse o desemprego e o medo de não saber o que vem pela frente, eu nunca buscaria me aposentar agora. Mas o seguro-desemprego já acabou e estou tendo de fazer uma engenharia para sobreviver com a indenização — conta Alexandre, que mora com a esposa, que é professora, no Leme, e trabalhou por 12 anos na última empresa.
Rudi Rocha, economista especialista em capital humano da UFRJ, lembra que historicamente corridas por aposentadoria por tempo de contribuição antecedem mudanças nas regras, como ocorreu no fim dos anos 1990, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu uma reforma na Previdência.
Pelas regras atuais, independentemente da idade, homens podem se aposentar com 35 anos de contribuição e mulheres, com 30 anos. Assim, um homem que trabalha com carteira assinada desde os 18 anos pode requerer o benefício aos 53. Para se aposentar por idade, homens precisam ter ao menos 65 anos e mulheres 60, além de terem contribuído no mínimo por 15 anos. Das 19 milhões de aposentadorias, 10 milhões são por idade, 3,3 milhões por invalidez e 5,7 milhões por tempo de contribuição. Ou seja, 53% são por idade, 17% são por invalidez e 30% são tempo de contribuição.
Monica argumenta que o mercado é cruel com quem passou dos 50 anos e que a aposentadoria acaba se tornando a única alternativa de sobrevivência.
— Nos nove anos que trabalhei nessa última empresa, tentei por diversas vezes mudar de cargo, mas me diziam que por conta da idade não adiantava nem tentar, apesar de eu me sentir com plena capacidade de exercer outra função — conta a operadora de telemarketing, que ganhava R$ 1.090,00 por seis horas diárias de trabalho.
Os economistas afirmam, ainda, que as regras atuais punem os mais pobres.
— As aposentadorias precoces estão concentradas nos grupos de classes média e alta. Os trabalhadores de baixa renda são menos favorecidos, ficam mais tempo desempregados ou no mercado informal, sem contribuir. Então, acabam tendo de trabalhar por mais anos para se aposentar — observa Tafner.
Estudo do Ministério do Trabalho aponta que a média de idade da aposentadoria no Brasil é uma das menores do mundo. É de 59,2 anos para os homens brasileiros, enquanto que para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — grupo de nações desenvolvidas — é de 64,2 anos. Os países com maior média de idade de aposentadoria para homens são México (72,3 anos), Coreia do Sul (71,1 anos) e Chile (69,4 anos). O estudo mostra ainda que, além do Brasil, só três países adotam a aposentadoria por tempo de contribuição, sem qualquer requisito de idade. São Irã, com aposentadoria após 35 anos de contribuição; Iraque, com 30 anos de contribuição; e Equador, com menos 40 anos de contribuição.
— Mesmo nos países desenvolvidos, que tendem a conferir direitos maiores aos seus cidadãos, a idade mínima é elevada. É claro que têm uma expectativa de vida maior, mas quando comparamos aos da OCDE, não é muito diferente do Brasil. O problema do Brasil é que temos muitos casos de morte por violência. Mas a pessoa que passa dos 30 anos tem uma sobrevida muito parecida a dos habitantes dos países da OCDE — aponta Ottoni.
Fonte: “O Globo”.
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