O economista Arminio Fraga afirma que está na hora de planejar a reabertura da economia, mas ainda não é hora de fazê-la. Defende uma ampla campanha com pessoas conhecidas e artistas para informar sobre medidas de prevenção, como uso de máscaras e distanciamento social, e diz que já estamos numa abertura descoordenada nacionalmente.
Está na hora de planejarmos a reabertura da economia?
Esse assunto está sendo debatido pelo mundo afora. No que diz respeito ao Brasil, está na hora de planejar, não está na hora de fazer. As curvas aqui ainda não se inverteram, as tendências parecem ser de queda do fator R (que acompanha quantas pessoas são infectadas por cada um que está com o vírus), mas a nossa trajetória é bem diferente da dos países que hoje já estão começando a se mexer. Chegaram a um pico há mais ou menos um mês e depois o número de casos e de óbitos veio caindo em inclinações diferentes, mas veio caindo. Nós vamos precisar ter mais segurança.
Como deve ser esse planejamento?
Do ponto de vista de planejamento, ter uma abordagem o mais ampla possível, ou seja, tudo que foi feito pelo mundo afora, e que deu certo, nós temos de tentar fazer aqui. Tudo. Começa de cima a dificuldade de ter uma orientação geral, nacional, que nós não temos. Já começam a partir daí as dificuldades. O Brasil é um país extremamente desigual, com situações das mais variadas que vão além da idade. Temos muitas pessoas vulneráveis por serem portadoras de doenças crônicas e outras comorbidades. Na medida que for possível, exemplos como de Paraisópolis (comunidade da Zona Sul de São Paulo) fazem sentido, tentar isolar as pessoas mais velhas.
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No Brasil, há a vulnerabilidade comportamental que é uma tendência de não evitar, tanto quanto se desejaria, as aglomerações. Isso também é um exemplo que não vem de cima. A meu ver, cabe uma campanha de educação feita por pessoas conhecidas, queridas, respeitadas, artistas, atletas, faria muito bem uma campanha que reforçasse esses pontos (distanciamento social, uso de máscaras, evitar aglomerações). Depois tem todo um lado econômico, do ponto vista setorial, o que teria mais impacto. Eu suspeito que, se houver uma campanha eficaz para evitar as aglomerações e manter as distâncias, tomar mais cuidado com higiene, pode facilitar a vida e ganhar tempo para evitar outras ondas. É estratégia de defesa, meio guerra de guerrilha, jogar o R para menos do que um e, aos poucos, ir adaptando a vida. Vai depender muito de conscientização. Ninguém quer pegar esse vírus, ninguém quer morrer. Esse instinto afasta as pessoas de alguns espaços. Alguns setores da economia sofrem com isso, vai ter que haver uma adaptação que vai acontecer meio pelo mercado. O mercado é bom nisso, você vê restaurantes mudando para modelo de entrega.
Com esses cuidados, é possível abrir quando a contaminação for contida?
Desde que a pessoas entendam que o perigo vai continuar a existir. Tem um mundo de gente que não tem opção de não trabalhar. Alguns estão se virando, recebendo auxílio, mas há espaço para alguma administração do dia a dia das pessoas. É claro que está sendo complementado por assistência social, que eu imagino que vai ter de continuar, mas me pergunto quanto tempo vai dar para aguentar nesse ritmo. Se imaginava um ciclo mais curto, não só aqui, era um pouco consenso entre os especialistas. Falava-se em recuperação em V, na verdade, isso não vai acontecer. O quadro ainda é bastante difícil. Acho que foi feito o que tinha de ser feito, é inquestionável, mas os recursos não são infinitos. Daqui a pouco, vamos estar com 100% de relação dívida\PIB. As pessoas não podem se iludir que o Brasil é como a Alemanha, o Reino Unido, os Estados Unidos, Japão. Isso exige realmente que se imponha uma disciplina naquilo que é essencial. Portanto, se resistam às demandas, que são naturais. O Brasil é um país carente, saiu de uma recessão gigante e entrou em outra. É uma situação realmente dramática, mas temos de buscar uma saída organizada para isso.
E como planejar essa saída?
Tem que haver uma certa coordenação, a nível federal, estadual, municipal, a nível de bairro, unidades que possam trabalhar com base em informações de qualidade. Não só governo. A partir do momento que as pessoas saibam, elas vão se cuidar mais ou menos. Posso dar uma caminhada usando máscara, não encostando a mão no rosto, dá para fazer, à medida que elas tenham informações, como tomar cuidado porque estamos entrando no pico. Estamos caminhando para o pico há algum tempo, mas não chegamos ainda. Fala-se em R de 1,4 (acima de um, a propagação continua subindo), é muito alto, ainda está indo para cima. Sabendo disso, as pessoas tendem a se cuidar mais. Daqui a pouco, o R está em meio, vamos sair, ficar ao ar livre, mantendo distância. A maioria das pessoas mora apertado. Há um desejo muito grande de liberdade. A disponibilidade de informação ajuda as próprias pessoas a se protegerem. Vejo esses ciclos baseados em informação como sendo insumo da decisão não só da política pública como das próprias pessoas. Dado que a coisa não está muito coordenada no país, é bom que as pessoas estejam informadas, daí a importância de uma campanha.
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Estamos testando muito pouco, isso não dificulta a reabertura?
Dificulta muito, pelo menos em duas dimensões. Uma no conhecimento mais macro do estado geral da população, e a segunda na própria lida do dia a dia de identificar, isolar e rastrear. É dificílimo fazer isso. No momento, essa não é uma alternativa que esteja disponível. Isso aconteceu em alguns países asiáticos, muito mais organizados, disciplinados e muito mais ricos do que nós. Não dá para comparar a disponibilidade de recursos de certos países da Ásia, como Coreia do Sul, Cingapura. Como infelizmente essa situação vai perdurar, ainda vai dar tempo de correr atrás e tentar também. Tem que tentar tudo porque vai demorar. Ninguém sabe até onde vai.
Há risco de ter de recuar na reabertura?
Tem que ser planejado para que isso não ocorra, mas, de qualquer maneira, o esforço que for feito numa primeira rodada, infelizmente teria de ser repetido depois. Tenho certeza de que se aprendeu muito, mas, se ocorrer uma segunda onda, seria com certeza difícil de lidar. Ninguém aguenta mais, essa é a verdade. A saúde mental da população já é uma questão. Tem que planejar, mas não dá para esperar para amanhã, porque não é. O número de casos precisa começar a cair, se não vai ter outro massacre.
Qual o risco de uma abertura descoordenada?
Eu infelizmente acho que não há risco algum, já é uma certeza. A parte federal não está tão presente, por mais que se tenha uma estrutura com o SUS e os agentes de saúde. A linha geral de ação não está saindo de Brasília. Isso não é risco, isso é certeza. Espero que mude, mas não está com cara de que vai mudar.
Fonte: “O Globo”