Jair Bolsonaro entra no segundo turno com larga vantagem sobre Fernando Haddad. São 18 milhões, no total de 107 milhões de votos válidos. Nas últimos 30 anos de democracia brasileira, ninguém venceu o primeiro turno e perdeu o segundo.
A arrancada fenomenal de Bolsonaro no final da campanha contribuiu para várias surpresas nas eleições estaduais e ao Senado. Ele arrastou o voto que elegeu apoiadores no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rondônia, Roraima e por todo o Brasil.
Quem olha para o mapa da votação também vê o naufrágio de vários nomes ligados ao petismo – de Lindbergh Farias a Eduardo Suplicy, de Jorge Viana a Fernando Pimentel, de Dilma Rousseff a Vanessa Grazziotin.
Soçobraram também senadores que tiveram papeis de destaque ao longo das gestões Lula e Dilma, como o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira, Romero Jucá ou Edison Lobão. Políticos tradicionais foram varridos do Parlamento pela onda conservadora ligada a Bolsonaro.
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Ele não levou no primeiro turno por pouco. Ficou 16 pontos percentuais à frente de Haddad e, em média, 5,5 pontos acima das pesquisas da véspera (a maior diferença já registrada entre essas pesquisas e as urnas foram 6,8 pontos, com Aécio Neves em 2018).
Excluídas as duas eleições que Fernando Henrique Cardoso venceu no primeiro turno, em 1994 e 1998, a distância de Bolsonaro para Haddad só perde para a que separou Luiz Inácio Lula da Silva de José Serra em 2002, superior a 23 pontos percentuais.
O patamar de votos obtido por Bolsonaro, 46%, foi inferior ao de Lula em 2006 (48,6%), mas é comparável ao do próprio Lula em 2002 (46,4%) e ao de Dilma em 2010 (46,9%). Pela primeira vez nas oito eleições presidenciais em que chegou ao segundo turno, o PT enfrentará um rival com capacidade de mobilização popular similar, ou mesmo superior – e em posição de desvantagem.
Haddad tem alguma chance? Existe algo que ele possa fazer para convencer os brasileiros de que outro governo do PT seria melhor que uma gestão Bolsonaro?
Na primeira entrevista que deu depois de confirmado o segundo turno, ele adotou um tom conciliador e tentou posar como um candidato sereno diante da convulsão que atravessa a democracia brasileira. “Nós não portamos armas”, afirmou, numa referência ao rival. “Vamos com a força do argumento para defender o Brasil e seu povo.”
A rejeição a Bolsonaro é alta. Contra qualquer outro rival, é provável que fosse derrotado por causa dela. Mas Haddad é o único que atinge um nível de rejeição quase tão elevado. Não se trata tanto de rejeição a ele, mas de rejeição ao PT, a Lula e a tudo o que os 13 anos de governos petistas significaram para o Brasil.
O principal fator responsável pela ascensão de Bolsonaro não é seu programa de governo, nem sua visão de país – muito embora parte do eleitorado possa concordar com ela. É sua oposição visceral e indiscutível ao PT. A maior parte de seus eleitores não é composta de bolsonaristas convictos, mas de antipetistas.
Bolsonaro parece ter perfeita noção disso. “Temos de unir os cacos que nos fez o governo da esquerda no passado, negros e brancos, nordestinos contra sulistas, até mesmo quem tem opção sexual homo contra hétero”, afirmou no vídeo que gravou ao lado do economista Paulo Guedes depois do resultado. “Vamos unir o nosso povo.”
Para tentar vencer a onda Bolsonaro, Haddad teria de se afastar da mitologia petista, das fabulações sobre o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. Teria de se apresentar como um candidato de consenso, capaz de promover as reformas de que o país precisa melhor do que Bolsonaro. Será essa uma estratégia viável?
A marca da gestão econômica desastrosa de Dilma Rousseff – derrotada ontem na eleição para o Senado – e a corrupção petista desmascarada pela Operação Lava Jato – cujo ápice foi a prisão de Lula – destruíram a imagem no PT em setores da sociedade que haviam se beneficado dos governos Lula, em especial na camada que ficou conhecida como “nova classe média”. Dá para reconquistá-los em três semanas?
O desafio que Haddad enfrenta não é trivial. Seu adversário tem óbvios pontos fracos: a falta de experiência política ou administrativa (que tenta compensar afirmando já contar com o apoio de mais de 300 parlamentares), a apologia da ditadura, a proximidade de militares que não parecem ter lá muito apreço pela democracia, o modo como trata mulheres ou minorias, o discurso extremista, inaceitável em qualquer ambiente civilizado. Mas as urnas mostraram que a repulsa ao PT parece ainda maior que qualquer ojeriza que Bolsonaro possa despertar.
Fonte: “G1”, 07/10/2018