Diante da maior recessão já vista no Brasil e sem sucesso em controlar os gastos, estados aumentaram alíquotas, revisaram desonerações e apertaram o cerco a sonegadores de ICMS para arrecadar mais e tentar ajustar as contas públicas. Estudo da Thomson Reuters, feito a partir de dados da Receita Federal, mostra que a arrecadação desse imposto — principal receita de boa parte das unidades da federação e o tributo de maior peso para as empresas — atingiu R$ 436 bilhões em 2017, alta de 5,3% frente ao ano anterior e de 12,4% em relação a 2014, início da crise.
Em todos os dez maiores estados arrecadadores também houve incremento desse montante nas duas comparações. Não se observou, no entanto, freio no crescimento das dívidas estaduais. Segundo o Tesouro Nacional, aumentou de oito para 14 o número de estados que não conseguiram fechar as contas no azul no ano passado.
O Rio de Janeiro é um deles. Depois de uma queda na arrecadação de ICMS em 2016, o estado, que é o mais endividado do país — encerrou 2017 com um déficit primário de R$ 6,2 bilhões — elevou em 2,4% sua arrecadação no ano passado, em relação a 2016. É o terceiro maior arrecadador de ICMS do Brasil. Na comparação com 2014, houve alta de 3%, segundo o estudo da Thomson Reuters. No entanto, mesmo com previsão de aumento da arrecadação este ano, o rombo nas contas públicas do estado deve ficar em R$ 10 bilhões, segundo estimativas da Secretaria de Fazenda fluminense.
— Em momentos de crise econômica, é comum que os governos tomem medidas de aumento da fiscalização para combater a sonegação, criem programas de recuperação fiscal, como o Refis, revertam desonerações e aumentem as alíquotas sobre produtos e serviços — pontua Fábio Klein, especialista em finanças públicas da Tendências Consultoria.
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No caso do Estado do Rio, o incremento na arrecadação de ICMS no ano passado reflete o aumento das alíquotas do imposto sobre gasolina, energia elétrica, cerveja, telecomunicações e cigarro, bem como do Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP), de 1% para 2%. A Secretaria de Fazenda disse ainda que a implantação do sistema Fisco Fácil, pelo qual o contribuinte pode checar e regularizar suas pendências, também ajudou. Afinal, o Rio, depois de aderir ao Regime de Recuperação Fiscal — programa criado pelo governo federal para ajudar os estados com desequilíbrio financeiro grave —, ficou impedido de conceder ou ampliar incentivos ou benefícios tributários.
REFLEXO DO PRINCÍPIO DE RECUPERAÇÃO
Também contribuíram para uma maior arrecadação de ICMS em 2017, segundo especialistas, a própria melhora da atividade: a economia cresceu 1%, depois de dois anos de recuo. A recuperação da indústria, que já tem forte carga tributária, ainda aumenta o consumo de energia elétrica, cujos impostos são elevados.
— Não é tão surpreendente o crescimento do ICMS neste momento de retomada branda da atividade econômica. Normalmente, a indústria é o setor que reage mais rapidamente ao ciclo econômico: da mesma forma que no início da recessão foi a primeira a sentir o impacto, na recuperação é a primeira a aumentar a atividade. Nesse sentido, o ICMS sai na frente, haja vista que sua arrecadação depende muito da base industrial e dos setores de combustíveis, telecom e energia — avalia Kleber Pacheco de Castro, consultor em finanças públicas da Finance Consultoria Econômica.
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É o caso de São Paulo, historicamente o maior arrecadador de ICMS do país. Após período de leve queda entre 2015 e 2016 (de R$ 126 bilhões para R$ 125,8 bilhões), no ano passado houve aumento de 5,7%, atingindo R$ 132 bilhões. De acordo com Helcio Tokeshi, secretário de Fazenda de São Paulo, a melhoria na arrecadação do ICMS no estado foi puxada pela indústria, que voltou a crescer.
— São Paulo tem uma participação da indústria de bens de consumo durável, como a automobilística e a de eletrodomésticos, bastante grande. Esse setores puxam o crescimento da indústria paulista e, consequentemente, ajudam a melhorar a economia do estado. Para o próximo ano, a previsão na Lei Orçamentária é um crescimento nominal de 6,2% do ICMS — complementa André Grossi, assessor responsável pela área de política tributária do estado, que encerrou 2017 com as contas no azul.
LINHA SEMPRE CRESCENTE
Carlos Nascimento, gerente da área tributária da Thomson Reuters, ressalta que, historicamente, a linha de arrecadação é sempre crescente, até na crise:
— Em raros momentos essa linha permanece idêntica ou cai em relação ao ano anterior. É sempre incremental, ainda que fique na casa dos 2%. Mesmo em uma crise, quando há fechamento de empresas, isso se dá no ambiente das micro, pois as demais têm mais elasticidade e conseguem caminhar para fusões e manter seus negócios.
Minas Gerais, o segundo maior arrecadador de ICMS do país e o segundo estado mais endividado — em 2017, o rombo foi de R$ 6,1 bilhões — teve aumento mais expressivo de arrecadação: 11,4% entre o ano passado e 2016, para R$ 46,6 bilhões. Frente a 2014, o avanço foi de 21%.
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No Rio Grande do Sul, essa alta foi de 5%, de R$ 30,3 bilhões em 2016 para R$ 31,9 bilhões no ano passado — quando o estado registrou rombo de R$ 422,5 milhões, segundo o Tesouro Nacional. Para este ano, a Secretaria de Fazenda estima que a arrecadação do ICMS fique quase estável, em R$ 32,5 bilhões. O incremento ocorrido em 2017, segundo a Fazenda, se deve aos primeiros sinais de recuperação da economia, à adoção de medidas de combate à sonegação e ao aumento de alíquotas de ICMS, de 17% para 18% na categoria geral e de 25% para 30% sobre os chamados produtos e serviços seletivos.
PROBLEMA DE GESTÃO DOS RECURSOS
Especialistas divergem, no entanto, sobre os efeitos do aumento da arrecadação sobre a melhora das contas públicas. O economista Raul Velloso diz que, por ser o imposto que mais gera arrecadação, ajuda ao menos a amenizar as quedas de receita que vêm sendo enfrentadas pelos estados. Nascimento, da Thomson Reuters, diz que o problema fiscal é mais uma questão de gestão do que decorrente de aumento ou queda na arrecadação:
— Falta olhar para o outro lado. Qual a destinação das arrecadações? O que pode se fazer para que os custos da máquina estatal sejam ajustados, para tornar mais eficiente a utilização dos recursos arrecadados? Vemos muitas obras inacabadas, interrompidas. Devemos ter atenção no gasto. Até porque a arrecadação está no limite.
José Roberto Afonso, economista da Fundação Getulio Vargas especialista em contas públicas, explica que a receita do ICMS é praticamente toda vinculada e que, por isso, o raio de manobra do governo estadual é mínimo:
— Do arrecadado, já ficam no banco 25% para os municípios, incluindo 20% para o Fundeb, depois tem que gastar 12% com saúde, 13% para pagamento do serviço da dívida (suspenso para estados que aderiram ao programa de recuperação, caso do Rio).
Fonte: “O Globo”