Este é o segundo artigo com propostas para o governo que for empossado em 2019. O tema de hoje é a regra do salário mínimo (SM). O assunto tem implicações fiscais significativas, pela dupla vinculação existente na Constituição: enquanto que, por um lado, no capítulo previdenciário, um dispositivo explicita que nenhum benefício poderá ter valor inferior a um SM, no capítulo da assistência social garante-se o pagamento de Benefício de Prestação Continuada (BPC) de um SM para idosos com insuficiência de renda e a indivíduos sem meios de prover à própria subsistência.
Penso que o mais adequado seria eliminar essas duas vinculações constitucionais e passar a questão da definição desse valor para a legislação ordinária. Considero, porém, que não há ambiente para uma tramitação com chances de vitória dessa proposição. Para evitar um desgaste político grande, a proposta nesse particular é de uma simplicidade extrema: o governo, em 2019, deveria enviar ao Congresso uma proposta de lei determinando a indexação do SM ao INPC de 2020 até 2031, inclusive.
Leia mais de Fabio Giambiagi
O BNDES em mutação
2019 (I) A carga tributária
Antonio Machado e o Brasil
Há duas enormes vantagens políticas nessa proposta. A primeira é que requer apenas quórum ordinário – e, se o novo governo não reunir apoio para aprovar um projeto de lei por maioria simples, é melhor nem assumir. A segunda é que elimina a fonte de pressão fiscal representada pelo impacto do SM nas contas fiscais por três períodos de governo. Na década de 30, em um quadro fiscal – espera-se – completamente diferente do atual, o governo a ser empossado em janeiro de 2031 decidiria o que fazer de 2032 em diante.
Por que uma medida assim seria socialmente justificável? Há três excelentes argumentos em defesa dessa estratégia. O primeiro se relaciona com a distribuição de renda. A tabela apresenta a distribuição dos aposentados e pensionistas que possuem rendimento igual a um salário mínimo, por décimo da distribuição de renda per capita, em 2015. Para entender a questão, é preciso esclarecer que, deflacionando os valores pelo IPCA a preços de fevereiro de 2018, o rendimento médio considerado pela Pnad foi de R$ 1.976 e o rendimento do nono décimo da distribuição de renda (ou seja, o nível imediatamente inferior ao superior) foi de R$ 2.958,75. Portanto, uma pessoa que ganhasse um pouco menos de R$ 3 mil estaria no grau 9 na escala distributiva de 1 a 10 com uma renda 50 % superior à renda média.
A tabela mostra que entre esse universo de aposentados e pensionistas com rendimentos iguais ao piso previdenciário, 1 % se situava entre os 10 % mais pobres e 5 % entre os 20 % mais pobres. Embora o dado seja contraintuitivo, é fácil de explicar. Imaginemos um pequeno comerciante que depois de pagar suas contas mensais associadas à sua loja fica com R$ 2.500 no bolso. Essa pessoa não é rica, obviamente. Porém, tem uma renda 27 % superior à renda média e de quase 85 % da renda média de quem se situa no nono décimo da escala distributiva.
Digamos que esse comerciante contribua como autônomo para o INSS pelo SM e se aposente pelo INSS. Quando isso ocorre e o piso previdenciário aumenta, o valor associado a esse componente da renda total se eleva, embora ao receber a aposentadoria ele passe a ter uma renda maior que a renda média do nono décimo da distribuição de renda. O resumo é que no Brasil o salário mínimo não é mínimo, pois muita gente ganha abaixo dele.
O segundo argumento está associado com a renda média. Enquanto que em 1995 o SM correspondia a 23% da renda média da Pnad e a 1,37 vezes a renda média dos 20 % mais pobres, em 2015 tais proporções tinham passado para 45% da renda média e 1,93 vezes a renda média dos 20% mais pobres.
O terceiro argumento se relaciona com o que aconteceu nesse período em termos reais: utilizando a inflação oficial (IPCA) como deflator, tomando como base dezembro de 1994, entre aquele ano e o final de 2017 o SM teve um aumento real acumulado de 177%, com impacto expressivo sobre as contas da Previdência, considerando que mais de 40% do valor da folha de pagamentos do INSS está indexada ao SM.
Por tudo isso, sou da opinião de que atualmente, até quem recebe SM entenderia perfeitamente que, se quando o SM valia US$ 65, no começo da estabilização, era razoável postular o aumento real da variável, agora, com 12 % de desemprego, até as pedras da rua sabem que a prioridade número um do país deveria ser a retomada do crescimento e do emprego. Portanto, a proposta acima feita é perfeitamente defensável.
Fonte: “Valor Econômico”, 11/04/2018