Este é o sexto artigo da série de propostas para 2019 que tenho apresentado nestes encontros. O tema de hoje é a abertura comercial. Cabe aqui um pequeno prólogo. No final da década de 1980, excetuadas as importações de petróleo, o Brasil era um dos países mais fechados do mundo. Éramos apenas mais abertos do que a Albânia, o que não era exatamente lisonjeiro. Foi nesse contexto que Fernando Collor tomou posse em 1990 prometendo acabar com as “carroças” do setor automotivo brasileiro. Ele gerou então o processo de abertura, relativamente intenso, de 1990-1994, iniciado por ele e depois complementado, ainda que algo a contragosto, por Itamar Franco.
A abertura consistiu em duas novidades: o fim de uma série de barreiras quantitativas às importações e um cronograma de redução das alíquotas de importação, de fato relevante, promovido ao longo de cinco anos.
Em que pesem as previsões apocalípticas feitas no começo do processo acerca da “ameaça à sobrevivência da indústria”, o país passou bem no teste. No final dessa redução das alíquotas, só alguns setores operavam abaixo da produção observada no início do processo, sendo justamente aqueles que caberia esperar que sofressem mais os efeitos da abertura, por estarem mais atrasados no estágio de modernização do parque produtor. O que houve, aliás, foi um ‘case’ de livro texto. Ou seja, um país que produzia de tudo, com a abertura às importações a economia teria que passar a produzir menos daquilo que o resto do mundo produzia de forma melhor e mais barata. E foi exatamente o que ocorreu.
Leia também:
2019 (I) – A carga tributária
2019 (II) – O salário mínimo
2019 (III) – Reforma previdenciária
2019 (IV) – O ajuste do gasto
2019 (V) – Reforma tributária
O que aconteceu nas últimas três décadas pode ser comparado com o que se verifica com um jovem que, aos 25 anos, desempregado, percebe que fez besteira matando aula quando era o momento de estudar e se inscreve em um curso de reciclagem de dois anos para melhorar as suas aptidões. Certamente, dois anos depois ele será um profissional melhor qualificado que antes de fazer o curso. Se, em função disso, ele encontrará maior facilidade ou não para arrumar emprego, porém, dependerá do que o resto das pessoas que concorrerem com ele no mercado tiver feito.
Se muitos outros jovens tiverem frequentado cursos parecidos, as dificuldades para encontrar vaga serão as mesmas que vinte e quatro meses antes. Ou seja, o Brasil melhorou, mas o resto do mundo também.
A ideia de uma economia se abrir para o exterior é melhorar o seu grau de eficiência. Vale para os países o que vale para as pessoas. Garanta-se estabilidade no emprego a um grupo de 10 indivíduos e, com certeza, 8 ou 9 deles, anos depois, estarão operando na “zona de conforto”, longe de “suar a camisa” mediante um processo contínuo de aprimoramento profissional. Deixe-se o mercado de trabalho funcionar e quem sentir o “bafo no cangote” de outro trabalhador com chances de pegar o emprego da pessoa, irá se esforçar muito para não ficar desempregado. Da mesma forma, países mais expostos à concorrência com o exterior tendem a se tornar mais eficientes que países fechados a essa competição.
Da agenda de 2019 deveria constar novo cronograma de redução de tarifas de importação, a ser feita em 4 ou 5 anos.
O fato é que o Brasil se abriu – mas o resto do mundo também. Assim, nossos avanços estiveram longe de terem constituído um feito. Se tomarmos como referência o coeficiente de importações de bens e serviços sobre o PIB, em 1990 ele era de 7% do PIB e no final do governo FHC, em 2002, chegou a 13% do PIB. Já em 2017 foi de 12% do PIB. É verdade que os “pinotes” da taxa de câmbio podem, em um ano ou outro, distorcer os dados, mas esses três números contam mais ou menos a história do jeito que foi: anos de abertura, mas começando de um ponto extremo de fechamento, seguidos de quinze anos, mais recentemente, de algum fechamento relativo e adoção de barreiras tópicas.
Quando se usam os indicadores de 2016 do Banco Mundial do coeficiente de abertura da soma de exportações e importações de bens e serviços de quase 200 países com dados disponíveis, com os 25% do PIB de abertura do Brasil estamos no “Z-3” da classificação. Temos o raro privilégio de ter um grau de abertura apenas superior ao do Sudão e do Paquistão. É razoável que um país continental como o Brasil tenha um coeficiente de abertura inferior aos 56% do PIB do Chile, mas há países mais comparáveis com o Brasil e muito mais abertos.
Mesmo que se considere que a Espanha, por exemplo, com 63% de abertura, é parte da União Europeia, o fato é que ficamos mal na foto em comparação com os 35% da Colômbia, os 37% da China e os 40% da Austrália e da Índia, sem falar dos 78% da Coreia do Sul, que não por acaso se transformou no que é (ver gráfico).
“Competir para progredir” é um lema para o desenvolvimento. O corolário dessa análise é que da agenda de 2019 e da próxima década deveria constar um novo cronograma de redução de alíquotas de importação, a ser implementado ao longo de 4 ou 5 anos.
Fonte: “Valor Econômico”, 08/08/2018