A nossa Constituição, em seu primeiro e mais básico dispositivo, estabelece que a República tem como um de seus fundamentos “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1, IV).
Repare que não se trata do trabalho em oposição à livre iniciativa, ou um contra o outro. Trata-se de um e outro, inclusive e, principalmente, porque funcionam conjuntamente, ou mesmo porque são compostos da mesma matéria.
A nossa Constituição, em seu primeiro e mais básico dispositivo, estabelece que a República tem como um de seus fundamentos “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1, IV).
Repare que não se trata do trabalho em oposição à livre iniciativa, ou um contra o outro. Trata-se de um e outro, inclusive e, principalmente, porque funcionam conjuntamente, ou mesmo porque são compostos da mesma matéria.
Talvez pela omissão em se exaltar a iniciativa privada, as leis trabalhistas e tributárias tratam o “trabalho empresarial” como se fosse de segunda categoria, uma tentativa de explorar ou enganar consumidores e trabalhadores, e permanentemente em falta e em débito com a sociedade.
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Isso para não falar da opressão das burocracias, licenças, alvarás e de fiscais rigorosos e gananciosos. Eis a dura rotina de quem empreende.
Desde a Colônia, conforme ensina o historiador Jorge Caldeira, o empreendedor existe em grande quantidade e sua sina inescapável é fugir do Estado, fingir-se de invisível. Não é por acaso que, conforme atestado pela icônica pesquisa da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, as periferias de São Paulo elegeram o Estado como seu inimigo, não reconhecem conflitos com a “burguesia” e enxergam “todos no mesmo barco”.
Foi necessário que os governos petistas promovessem os mais variados exageros de estatismo, sindicalismo e corrupção para que se adensasse mais claramente um anseio de valorização da livre iniciativa, ou do empreendedor na vida nacional. Esta é a ventania liberal que está transformando políticos veteranos, tradicionalmente destituídos de qualquer doutrina, em consumados campeões do livre mercado.
O que não se percebe ainda é que esse é um movimento de base.
Senão vejamos: conforme a Pnad, de 92,1 milhões de pessoas trabalhando no País em dezembro de 2017, 33,3 milhões (36%) possuíam carteira assinada enquanto 27,6 milhões pertenciam ao grupo empreendedor: profissionais liberais, trabalhadores por conta própria e empregadores de todos os tamanhos.
São números parecidos, ou seja, há quase tanta gente empreendendo, se virando, “correndo atrás” – incluídos os mini, micro, pequenos, médios e grandes empresários – do que assalariados formais. E muitos destes são aspirantes a empresários, ou empresários de si mesmos, buscando o progresso pessoal, ser dono do seu negócio e do seu tempo.
É verdade que há ainda forte uma aspiração antiga, trazida para os trópicos por Dom João VI: o emprego público. Esse ideal foi intensamente explorado politicamente nos últimos governos que promoveram uma farra de concursos públicos com sérias implicações fiscais.
Ainda de acordo com a Pnad, em dezembro de 2017, tínhamos 11,5 milhões de servidores públicos, um número muito parecido com o de “sem carteira” (11,1 milhões) e com o de desempregados (12,3 milhões). São três vértices de uma sociedade funcionalmente desigual, o excessivamente formal e o informal, ou excluído, voluntária ou involuntariamente.
O quadro é parecido quando observado a partir de uma outra base de dados, a dos 28 milhões de declarantes de imposto de renda para o ano-base de 2016. Dentre esses, são 8,5 milhões de assalariados e 7,2 milhões de empreendedores (empregadores, capitalistas, MEIs), e não há propriamente muita desigualdade de renda: os assalariados são 31% dos declarantes e produzem 25% da renda, enquanto que o grupo empreendedor compreende 26% dos declarantes e reporta 30% da renda declarada.
Não há “informais” nessa base de dados, por óbvio, e aparecem com destaque os servidores públicos (6,4 milhões) e aposentados (4,3 milhões), juntos respondendo por 37% dos declarantes e 39% da renda declarada.
À luz desses números, é certamente paradoxal que os partidos políticos sistematicamente ignorem os 27 milhões de empreendedores, inclusive por serem os empregadores dos 33 milhões de assalariados, e levem o “primado do trabalho” ao extremo de fazê-lo em aberto detrimento de quem empreende e cria emprego. Por aí se explica a péssima colocação do Brasil nos rankings internacionais de ambiente de negócios.
Somos um país de empreendedores, precisamos de políticas públicas que não nos atrapalhem.
A Constituição traz pouca coisa sobre a empresa, que gera riqueza e emprego.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 25/03/2018