Soluções e acordos no Brasil não são fáceis. Precisamos de quase 20 anos de inflação elevada e hiperinflação no final para chegarmos a um ponto final em 1994. A reforma da Previdência já passa de 20 anos de discussões, iniciadas ainda no governo FHC. Não seria diferente com os acordos comerciais, sendo o mais relevante que o país assinou o tratado entre União Europeia e Mercosul de liberalização comercial. Foram 20 anos de discussões e atrasos e que agora chega a um bom termo e com pretensões ainda maiores de abrir caminhos para novos acordos comerciais.
Durante muitos anos o país seguiu pela linha sem rumo do multilateralismo. Acordos teriam que ser costurados em âmbito mundial, o que vale dizer não fazer nenhum acordo como de fato ocorreu. Por trás disso havia o medo atávico das esquerdas em relação a acordos comerciais bilaterais. Havia a crença infundada de que acordos desse tipo prejudicariam a indústria nacional.
Nada mais errado e contra os resultados empíricos da literatura econômica. Há muito se sabe dos efeitos positivos para a produtividade de se abrir a economia como estamos fazendo. A indústria que sairá dessa abertura comercial será muito melhor do que a que temos hoje. Vamos nos especializar no que de fato temos condições para tal e talvez finalmente tirar o ranço contra a indústria agrícola, rica em inovação e tecnologia e que poderá ter chance de se transformar em um polo importante de exportação de produtos agrícolas manufaturados, não apenas através deste acordo, mas de outros que virão.
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Um ponto positivo do acordo é pensar no longo prazo e não fazer um acordo que exige quedas abruptas de tarifas de importação. No caso da indústria, até a total aprovação nas diversas Câmaras dos países envolvidos e com o tempo para diminuição total das tarifas, certamente passará de dez anos. Não incorreremos nos erros da Argentina e do Chile dos anos 70 que abriram muito rapidamente suas economias sem tempo de preparação para a indústria. Tempo de preparação neste caso é importante não apenas do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista político de atração de atores para chancelar o acordo.
Esse tempo de ajuste é importante e coerente com a estrutura que podemos vislumbrar para a economia brasileira para esse período. Em que pese os rumos adversos recentes da política, a política econômica tem dado sinais de ter encontrado um rumo mínimo desde o governo Temer e identifico três frentes que serão essenciais para que a indústria possa competir em pé de igualdade quando o acordo for inteiramente implementado. Chamo isso de a agenda dos três custos.
Primeiro, o custo financeiro para as empresas tenderá a ser bem menos nos próximos anos. A agenda fiscal, junto com a credibilidade do Banco Central, vai fazer a taxa básica de juros gradativamente convergir para números próximos do resto do mundo. Não será difícil ver a inflação em 3% e os juros básicos podendo ficar entre 4 e 5% de forma mais permanente. Há enorme espaço incentivado pelo governo para crescimento do mercado de debentures e mercado de capital em geral, mecanismo muito mais eficiente para financiamento para as empresas. Além disso, é provável que a tecnologia e os esforços da agenda BC+ do Banco Central ajudem a diminuir os spreads bancários no Brasil nos próximos anos, como discutido na última coluna.
Segundo, o custo tributário é uma discussão madura como é a da Previdência. A reforma tributária está no forno do Congresso e deverá avançar bastante neste semestre, com chance concreta de aprovação no começo do ano que vem. Há discussões sobre quão simplificado será o novo sistema, se entram estados e municípios ou não, qual será a base de tributação e o tempo de transição de um sistema para o outro. Mas o importante é que um novo sistema mais eficiente virá, ajudando a melhorar a atração de investimentos no país. Não faz sentido que o departamento tributário das empresas tenha tanta importância como o departamento comercial das mesmas. Para a geração de novos negócios o impacto será semelhante à transformação que vimos dos anos 80 para os anos 90 nas empresas quando o departamento financeiro deixou de ter a importância que tinha quando a hiperinflação acabou. Essa melhora de eficiência e de custos será essencial para as empresas que competirão lá fora.
Terceiro, o custo logístico e de infraestrutura geral será melhorado com a ampliação das concessões e privatizações. As notícias aqui são lentas, mas positivas no longo prazo. O que se viu com a venda da TAG pela Petrobrás e as concessões de aeroportos junto com a definição jurídica pelo Supremo Tribunal Federal do que pode ou não ser vendido pelo Estado dão sinais positivos do que vem pela frente. O leilão de óleo e gás marcado para 7 de novembro deve ser um marco nessa nova visão de diminuição do estado que permeia o governo. Ao mesmo tempo, espera-se que os modais ferroviário e rodoviário do Centro Oeste finalmente saiam do papel na sua completude para aproveitar o momento duradouro de stress comercial que haverá entre EUA e China. Cada vez mais os chineses dependerão da oferta agropecuária do país e o bom funcionamento das saídas pelos portos do Norte será essencial para a diminuição dos custos de transporte no Brasil.
Essas três agendas tendem a levar tempo para serem avançadas, mas diria que em dez anos boa parte delas terá avançado bem, com mais rapidez na agenda do custo financeiro, em seguida do custo tributário e, por fim, o custo logístico, que depende de investimentos de longo prazo para ocorrer. Uma quarta agenda, a da educação, infelizmente me parece não ter horizonte razoável de solução, em que pese a maturação da discussão sobre o assunto. A visão geral do governo continua sendo mais de confronto do que de buscar soluções na área, de forma muito divergente da outra agenda dos três custos que aqui discutimos.
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Com isto em mente não há o que temer dos acordos comerciais. A agenda tem que ser vista de forma inteira e pensada a partir de agora em novas frentes de acordos a serem feitos. Discussões com o Acordo Transpacífico (TPP) em conjunto com o desenvolvimento maior do eixo de exportação norte podem ser um próximo passo.
Fonte: “EXAME”, 08/07/2019