Tem sido desproporcional a inserção de temas tributários nesta campanha eleitoral, consideradas as eleições passadas. Não sem razão. Tributos se prestam muito bem a exercícios mistificadores, porquanto encerram matéria muito sensível nem sempre acessível aos leigos.
Em artigo anterior (Impostos em tempos de eleições), publicado em 6/9/2018, expus meu entendimento quanto à insensatez da proposta, veiculada por alguns candidatos, de eliminar a isenção na distribuição de dividendos. Não cuidei, todavia, de uma agenda oculta que a proposta encerra, em virtude de um compreensível desconhecimento dos candidatos, que se deixaram encantar pelo discurso perfunctório de assessores não especializados. Trata-se da repercussão sobre empresas de menor porte, malgrado o discurso da simplificação, que se reduz, quase sempre, à mera unificação de tributos.
Fala-se em unificar, por exemplo, o PIS e a Cofins, sem considerar que as respectivas legislações, salvo em casos extremamente particulares, são iguais. A distinção se dá na destinação do produto da arrecadação, que em nada afeta o dia a dia do contribuinte.
O mesmo raciocínio se aplica à pretensão de unificar o IRPJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
Em ambos os casos, parece ser mais simplismo que simplificação, sem nenhum impacto para o contribuinte, mas gerando uma enorme polêmica sobre a destinação de gastos – designadamente, o orçamento da seguridade social, o seguro-desemprego e as transferências constitucionais para Estados e municípios, cujo debate, certamente necessário, se inscreve em outro contexto.
Há, da parte de alguns, uma enorme má vontade contra os contribuintes optantes do lucro presumido (cerca de 850 mil) e do Simples (cerca de 4 milhões), malgrado representarem, respectivamente, 17% e 80,1% do total de contribuintes. Há quem alegue que a base de cálculo dos contribuintes que optam pelo lucro presumido é inferior ao lucro contábil. Essa é uma constatação óbvia, justamente porque a base de cálculo é presumida – adjetivo cujo significado pode ser esclarecido em qualquer dicionário.
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Neste contexto, levanta-se uma informação contraintuitiva. Na direção contrária dos que querem apontar o privilégio dos optantes do lucro presumido, dados sobre alíquota efetiva do IRPJ (quociente entre imposto arrecadado e receita bruta) revelam o oposto.
Em todos os anos da série conhecida de alíquotas efetivas, a do lucro presumido é pelo menos o dobro da apurada no lucro real. Em 2013 (último dado disponível), a alíquota efetiva do lucro presumido foi de 2,49%, enquanto a do lucro real foi de 0,99%, sendo aquela, portanto, bem mais que o dobro desta.
São muitas as razões para explicar essa diferença: ao contrário do regime do lucro presumido, no regime do lucro real são apurados e, subsequentemente, compensados prejuízos, admitidos incentivos fiscais, estruturados planejamentos fiscais (abusivos ou não), suscitados litígios tributários em razão de controvérsias conceituais, etc.
Resta uma indagação: sabendo que é eletivo, por que os contribuintes optam, afinal, por pagar mais imposto? A resposta é trivial: segurança jurídica e simplicidade. Receio que, se inexistissem restrições, a grande maioria dos que recolhem no regime do lucro real migraria para o lucro presumido.
O contribuinte sabe muito bem valorizar as razões que informam a opção pelo lucro presumido. Alguns “sábios”, não.
É certo que o Simples precisa de revisão, para que se torne mais simples. Extingui-lo, contudo, além de inconstitucional, é parvoíce.
A agenda oculta dos que postulam a extinção da isenção na distribuição de dividendos é onerar, por ressentimento ou desinformação, os sócios das empresas optantes do lucro presumido e do Simples.
Admitida a conservadora hipótese de dois sócios por empresa, aqueles regimes envolvem pelo menos 10 milhões de contribuintes, que lutam obstinadamente para sobreviver às dificuldades para empreender no Brasil. Vai encarar?
Fonte: “Estadão”, 04/10/2018