André Lara Resende tem provocado ruidoso debate ao afirmar que equilíbrio fiscal não tem importância e que o BC pode colocar o juro onde deseja.
Fui ler o texto original, “Consenso e contrassenso: déficit, dívida e Previdência”, e não foi o que lá encontrei.
Entendo que André está correto quando afirma que um Estado que emite dívida em sua própria moeda não enfrenta restrição financeira, mas somente a restrição de recursos da sociedade. Keynes nos
ensinou esse fato há 80 anos.
No modelo tradicional, a taxa de juros é o regulador da demanda agregada. O BC a fixa para manter inflação na meta. A política fiscal é determinada para garantir a solvência da dívida pública.
André propõe inverter. Manter a taxa de juros baixa —de preferência abaixo da taxa de crescimento da economia— e empregar a política fiscal para regular a demanda agregada.
No modelo tradicional, um parâmetro importante é a taxa real neutra de juros, aquela que mantém o mercado de trabalho a pleno emprego, e a inflação, estável e na meta.
Ao direcionar a política fiscal para o controle da demanda agregada e fixar os juros baixos para não gerar uma dinâmica explosiva na dívida pública, André está nos dizendo que a taxa neutra não é independente da política fiscal, como estabelece há décadas a teoria convencional.
Há anos tenho escrito que um dos motivos que explicam o fato de a taxa neutra de juros ser muito elevada no Brasil é o gasto primário da União crescer sistematicamente além da expansão da economia.
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Entre 2008 e 2014, essa pressão sobre a taxa neutra de juros foi agravada pelo BNDES.
Até alguns anos atrás, as melhores estimativas de taxa neutra de juros no Brasil situavam-na em 6% ao ano.
A contenção do crescimento do gasto real da União desde 2015 e a redução das operações com BNDES já reduziram a taxa neutra. Hoje ela situa-se em torno de 3%.
André está certo e faz parte do saber convencional que diferentes regimes fiscais produzirão diferentes taxas neutras de juros.
Por hipótese, como funcionaria a política econômica se André fosse simultaneamente ministro da Fazenda e presidente do BC, no melhor período que tivemos, os anos Lula, quando crescemos 4% em termos reais? Ele fixaria a taxa de juros real abaixo de 4% e faria a política fiscal compatível com essa política monetária e inflação na meta.
Como aqueles foram anos de pressão inflacionária permanente, mesmo com juros reais praticados superiores a 6%, a política fiscal teria de ter sido mais apertada do que foi. Teria sido necessário aprovarmos uma reforma da Previdência e promovermos o ajuste fiscal estrutural desejado
por muitos em 2005.
O texto de André tem um problema retórico. Para tornar sua proposta mais palatável, não enfatiza as implicações fiscais de sua sugestão de alteração do regime de política econômica.
Ele tem ainda um problema histórico. O regime de André era o desejado, por exemplo, por Keynes, que defendeu contração fiscal para enfrentar o excesso de demanda no Reino Unido em 1937.
A experiência do pós-guerra nos ensinou que a política fiscal é muito lenta, pois depende essencialmente do tempo da política, enquanto a política monetária tem a agilidade necessária para manter a inflação controlada.
Com relação à proposta mais polêmica de André, manter os juros reais bem baixos, é sempre possível. Basta convencer o Congresso a produzir a política fiscal compatível com esse juro real baixo e inflação estável.
André fez muito barulho por nada.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 31/03/2019