Um tópico sempre presente nas análises do setor bancário brasileiro é a concentração bancária. Muitos atribuem a ela a causa básica das disfunções do – Sistema Financeiro Nacional (SFN). Nessa afirmação está implícito, e ocasionalmente explícito, que os bancos maiores abusariam do poder de mercado, teriam uma rentabilidade maior que o resto e que esse comportamento aumentaria ainda mais a concentração.
É fato que a intermediação no Brasil é disfuncional, mas não por conta da concentração. No período em análise, apesar da queda da taxa básica para um piso histórico e da adoção de algumas medidas da Agenda BC+, a relação crédito/PIB caiu em vez de subir, e os números de inadimplentes, pessoas físicas e jurídicas, bateram recordes de alta, com prejuízos para o desenvolvimento do país. Mas não é por conta da concentração.
No período em análise, 2014 a 2018, a concentração do sistema diminuiu. As diferentes medidas mostram isso. O número de bancos aumentou; a participação dos cinco maiores se reduziu no número de clientes para 64,5%, o número de operações para 69,9% e no crédito, houve uma queda no primeiro ano, um aumento com a incorporação do HSBC e no último ano, voltou a cair para 72%. Os índices de concentração também mostram redução.
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A crítica mais comum ao sistema é que a concentração causa as margens (spreads) altas. A realidade é outra. Ordenando os bancos por rentabilidade no segundo semestre, os cinco maiores, quando comparados a outros bancos, estão em média no segundo quintil, e quando comparados com o sistema inteiro (1357 instituições) estão no segundo quartil.
Uma análise do setor bancário brasileiro nesse período, também mostra que o mesmo está mudando, e muito. Os sinais da transformação são diversos: novos participantes, padrões de concorrência mais acirrados, maior diversidade de produtos e serviços, canais de distribuição mais rápidos, eliminação de subsídios cruzados, fintechs, Open Banking e uso intensivo da inteligência artificial.
É uma transformação colossal, o sistema está se tornando mais dinâmico, aberto e competitivo. É importante entender como é para poder adequar a política bancária e a estratégia de cada instituição às mudanças e, dessa forma, aumentar a contribuição do setor ao país.
No passado, havia economias de escala regulatórias que induziam a um sistema mais concentrado. Até 1988, um sistema de pontos favorecia bancos grandes. A partir de 1994, a política prudencial impunha barreiras à entrada. Mais recentemente, o uso de bancos estatais como instrumentos de política econômica também prejudicava a concorrência. Acabou. Atualmente, há um incentivo regulador para fintechs e instituições menores, e avanços tecnológicos estão transformando a intermediação no Brasil e no mundo.
Apesar dos avanços, o sistema continua disfuncional. Para sua correção é condição necessária fazer um bom diagnóstico para a definição da terapia adequada. Para tanto, é imperativo descartar a concepção de que a raiz dos problemas está na concentração. Há outros motivos.
A causa principal das disfunções do SFN é que o paradigma da intermediação é obsoleto. É praticamente o mesmo que há 25 anos. Em abril de 1994, o CDI anualizado era 14.986,5%, atualmente é de 6,4%. Na época, a inflação mensal anualizada foi 7.118,0% hoje é de 4,9%. São outros tempos, há necessidade de adaptações.
As distorções em transparência, indexação, responsabilização, funções, fragmentação dos relacionamentos, precificação de operações, moeda remunerada, responsabilização, bancos estatais, processos de precificação, proteção ao consumidor, do redesconto, da regulação, indexação, tabelamentos, tributação e modelos de negócios não foram adequadas à nova realidade.
Na época da inflação, o SFN teve o mérito de criar um sistema de pagamentos eficiente e um ambiente para rolar a dívida pública, de preservar a moeda nacional e de proteger a poupança do país. Era um tempo em que medidas para induzir à concentração do sistema eram consideradas adequadas. Agora, não são mais vistas assim.
A definição do que é um banco ou do que é o SFN se tornou nebulosa. A composição de produtos e serviços mudou e há um conjunto de fintechs que realizam operações financeiras e nem todas estão nas estatísticas divulgadas pelo Banco Central do Brasil. Há estimativas que mencionam que são cerca de 400 fintechs no Brasil. Uma frase que resume a transformação é “Banco não é mais um lugar onde se vai, mas algo que se faz”.
O ambiente para os bancos, e demais empresas, é VUCA – o termo são as siglas em inglês de Volátil, Incerto (Uncertain), Complexo e Ambíguo. Implica adaptações da estratégia para esse cenário. O mais importante nesse quadro é visualizar e criar o futuro. Há uma anedota sobre Henry Ford. Ele disse que se tivesse consultado o público, teriam pedido cavalos mais velozes e não carros. É exatamente o que é necessário fazer, reinventar-se.
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O SFN tem potencial de recriar-se. Para tanto, é necessário mudar o paradigma vigente, de uma intermediação num ambiente instável, onde o importante era a solidez, a rentabilidade e o curto prazo, para outro, adequado aos tempos atuais, onde além de sólido e rentável, é necessário foco no longo prazo, na inclusão bancária, na estabilidade da oferta de crédito, na inovação, na sustentabilidade e na globalização.
Podem-se atender demandas de acionistas, clientes, bancários e banqueiros e de todos os demais segmentos da sociedade e dar contribuição ao desenvolvimento e aumentar o desempenho em eficiência, custos, solidez, estabilidade, sustentabilidade, transparência e inclusão.
Dever bem é bom, ajuda a todos; dever mal é um problema grave, que tem que ser evitado.
Lembrando que política e estratégia são orientadas pelo paradigma, que é a percepção que os cidadãos e gestores têm da realidade e do potencial do SFN e de suas empresas. O atual é obsoleto.
A obsolescência ocorre quando a mudança externa é maior do que a interna.
É isso.
Fonte: “Valor Econômico”, 26/04/2019