O mesmo parlamentar trabalhista representava o distrito britânico de Bolsover há quase 50 anos. Sedgefield, outrora representado por Tony Blair, e Bishop Auckland estavam com o partido desde 1935. Blyth Valley, desde o estabelecimento como distrito autônomo em 1950. Workington, há cem anos, com exceção de um mandato.
Todos eles foram vencidos por conservadores na vitória avassaladora do premiê Boris Johnson nas eleições de ontem no Reino Unido. Na região industrial do Nordeste inglês, operários desiludidos com os trabalhistas votaram no Partido do Brexit e contribuíram para o colapso do “muro vermelho” trabalhista, que cercava a região havia um século.
Não há maior símbolo do fracasso de Jeremy Corbyn como líder. Com apenas uma cadeira indefinida entre as 650 do Parlamento, os trabalhistas somavam 203, 42 a menos do que nas eleições de 2017. Foi o pior desempenho do partido desde 1935, quando obtiveram 154. Sob Boris, os conservadores estavam perto de levar 365 distritos, 67 a mais do que no pleito anterior. Desses, 75 foram tomados de rivais.
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A vitória de Boris se deve em parte a seus próprios méritos, em parte à incompetência de Corbyn. Enquanto o trabalhista promoveu uma campanha desfocada, com um programa disperso e promessas vagas a vários eleitorados, sem tomar posição sobre a questão mais importante na história recente do país, o conservador foi objetivo e transparente em seu slogan: “Get Brexit Done” (Conclua o Brexit).
Com isso, Boris atraiu o voto não apenas daqueles que tradicionalmente votam nos Tories, mas também que quem já estava cansado da novela que o Reino Unido vive desde o plebiscito de junho de 2016. Boris se revelou um político mais astuto e capaz que a antecessora, Theresa May. O resultado das eleições comprova o êxito da estratégia de rifar os unionistas norte-irlandeses para fechar um novo acordo de divórcio com a União Europeia (UE). Ele tem agora maioria confortável para aprová-lo no Parlamento, talvez antes mesmo do Natal.
Se as urnas deram um novo e inequívoco mandato em favor do Brexit, as demais consequências das eleições de ontem ainda não estão tão claras. Os efeitos da agora inevitável saída da UE no próximo dia 31 de janeiro deverão se fazer sentir pelos próximos anos, talvez décadas. Não serão triviais os desafios que Boris terá de enfrentar.
O primeiro e mais urgente será fechar um tratado de livre-comércio com os europeus, como previsto na declaração política que acompanha o acordo de saída da UE. Boris descartou todas as demais alternativas – como permanência na união aduaneira ou no mercado comum.
Será impraticável concluir tal acordo no prazo estabelecido, o final de 2020, apesar do otimismo, tanto do governo britânico quanto dos europeus. Mesmo que não abra mão de sua proposta de Brexit (mais rigorosa na separação que a de May), a expectativa mínima é que Boris descumpra a promessa de seu programa e peça adiamento no prazo para o tratado de livre-comércio até 2022.
Ele pode agora, se quiser, se dar ao luxo de suavizar o divórcio porque, com a maioria confortável que conquistou no Parlamento, dependerá bem menos do voto dos defensores da ruptura radical com a UE, reunidos no European Research Group (ERG), de quem se aproximara durante das negociações de seu acordo.
Seu maior desafio, contudo, é menos evidente: lidar com o mapa sui generis que emergiu ontem das urnas, dividido em torno de linhas nacionais. As urnas sugerem que o risco de esfacelamento do próprio Reino Unido não está afastado.
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Os conservadores foram quase completamente varridos da Escócia pelo Partido Nacional Escocês, que conquistou 14 novas cadeiras no Parlamento (e perdeu uma). Num território majoritariamente favorável à permanência na UE, será enorme a pressão por um novo plebiscito para transformar a autonomia em independência.
Na Irlanda do Norte, os unionistas, que, no governo May, haviam assegurado maioria ao governo com seus dez deputados, perderam duas cadeiras e força para partidos nacionalistas. Lá, o movimento separatista também sai ganhando. Com o Brexit em sua versão Boris, a Irlanda do Norte ficará mais integrada com a Irlanda que o resto do país, a um passo curto da independência.
Haverá, enfim, os defensores da permanência na UE que, embora derrotados, continuam vivos, sobretudo nas regiões urbanas, em setores influentes da academia e da imprensa e na metrópole londrina. À medida que o Brexit cobrar seu preço da economia e se revelar, na prática, uma promessa oca, o arrependimento e a frustração tenderão a crescer. Não se sabe ainda quem aglutinará tal sentimento na oposição, nem como fará isso. Mas um ponto é certo: não será Jeremy Corbyn.
Fonte: “G1”, 13/12/2019