Traçar cenários é uma tarefa das mais difíceis. Em circunstâncias como as atuais, ela se apresenta como um desafio sujeito a erros enormes. Embora a atividade seja passível de todo tipo de chacota por parte dos não economistas — o que é compreensível —, o fato é que pensar acerca do que nos espera é essencial para muitas atividades. Imaginemos o dono de uma lanchonete. Deve se preparar para uma depressão econômica ou para um mês e meio de dificuldades, seguidas de um retorno à normalidade? E o megainvestidor que planeja investir numa rodovia? O que ele deve encontrar pela frente? Imaginar o futuro é inerente a qualquer atividade que envolva assumir riscos envolvidos num negócio econômico. O que se segue é um modesto exercício, assumidamente precário —posto que envolvido por uma enorme incerteza acerca dos desdobramentos do coronavírus — acerca do que podemos esperar para o PIB de 2020. Há três coisas fundamentais:
1) a extensão da epidemia, algo que ninguém sabe;
2) a duração das medidas de confinamento da população;
3) o efeito defasado na situação econômica de quem vier a ser afetado pela interrupção do fluxo de renda.
A epidemia pode durar dois meses ou quatro? O confinamento durará seis semanas ou dez? Como se comportará o gasto de quem deixou de faturar um mês e tem contas a pagar que se acumularão nos próximos 30 ou 60 dias? A incerteza é maiúscula em relação a todos esses aspectos.
A crise tem alguns antecedentes, ainda que causados por outros fenômenos. No confisco de Collor, o PIB caiu 4,3 %. Na crise de 2008, nos primeiros dois trimestres após a crise, o PIB colapsou um total de 5,5 %, para se recuperar intensamente, mas só no terceiro trimestre após a quebra da Lehman em setembro daquele ano.
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Pensemos, como hipótese, no seguinte cenário. Suponha-se uma contração de 2 % (ajustada sazonalmente) no primeiro trimestre e mais forte (5 %) no segundo, com uma recuperação do índice do quarto trimestre de 2019 só ocorrendo no primeiro trimestre de 2021, o que, dado tudo o que está acontecendo, pode ser considerada uma hipótese otimista. Nesse caso, a contração do PIB seri ade 3,2% em 2020. Registro que neste exercício estamos lidando com números mais otimistas que as projeções que começam a circular para as taxas de crescimento do PIB na Europa enos EUA para o primeiro e o segundo trimestres, que são pavorosas, típicas de uma economia que, por algumas semanas, praticamente está operando em “ponto morto”. A base paraissoéasu posição d eque olockdown se estenda aqui menos tem poque em outros países, ma sé algo acercado qualéim possível assumir hipóteses categóricas.
Temos pela frente um ano duríssimo, com possibilidade de assistirmos à pior queda do PIB desde a origem das Contas Nacionais, iniciadas na década de 1940. Quero, no final, compartilhar uma reflexão amarga com os leitores. A década de 1980 é conhecida no Brasil como a “década perdida”, porque nela tivemos uma queda acumulada do PIB per capita de 4%. Mesmo assim, nos tempos em que eu dava aula costumava dizer que isso ocorreu em termos quantitativos, mas que naqueles anos houve três grandes avanços:
1) o diagnóstico da crise, que propiciou as medidas posteriores;
2) o início da constituição de um melhor arcabouço fiscal para lidar com os desastres anteriores;
3) e, o mais importante, a recuperação das liberdades democráticas.
Agora, além de estarmos a caminho de termos uma renda per capita em 2020 pelo menos 5 % inferior à de 2010, estamos dando sequência a uma página negra de nossa história. Anos em que tivemos desde uma corrupção desenfreada, até todo tipo de equívocos em relação ao meio ambiente, à inserção do Brasil no mundo, à educação, à postura diante da ciência e ao papel da política, quando o bom senso saiu de férias. Ousaria prever que o período 2011/2020 será conhecido no futuro pela historiografia como a “década infame”, quando o país se desencontrou de si mesmo. Pior que a década perdida.
Fonte: “O Globo”, 7/4/2020