Como comentei na coluna passada, o Brasil tem várias características que dificultam a aprovação de reformas. Com base em livro recentemente publicado por Marcos Mendes, destaquei o baixo grau de coesão social e um sistema político-eleitoral que dificulta a formação de maiorias no parlamento.
Neste caso, uma boa articulação política do Executivo com o Legislativo é fundamental para o sucesso na tramitação de matérias importantes para a agenda econômica do governo federal.
Apesar do protagonismo assumido pelo Congresso na aprovação de reformas, a falta de liderança do Executivo torna esse processo sujeito a sérios tropeços, como a derrubada esta semana das mudanças no abono salarial na votação em primeiro turno da reforma da previdência no Senado.
A retirada das mudanças no abono trouxe também à tona outra dificuldade para a aprovação de reformas no Brasil ressaltada por Marcos Mendes, que é o fato de o parlamento não concentrar o processo decisório em uma de suas casas.
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Independentemente de qualquer juízo de valor sobre o mérito do modelo brasileiro, o fato é que a existência de duas instâncias parlamentares com direito a voto torna mais difícil a aprovação de reformas, exigindo um esforço de coordenação que não existe em sistemas unicamerais. Isso é particularmente verdadeiro no caso de propostas de emenda constitucional, que precisam ter seu texto aprovado com teor idêntico na Câmara e no Senado.
A tramitação da PEC da reforma da previdência no Senado ilustra essas dificuldades. Embora tenha tido pouca repercussão, desde o início os senadores deixaram claro que não estavam dispostos a simplesmente referendar o texto aprovado na Câmara. Em particular, deram vários sinais de que pretendiam modificar pontos percebidos como importantes para dar uma marca social ao texto aprovado no Senado.
Nesse sentido, o relatório aprovado na CCJ suprimiu mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) introduzidas na Câmara referentes ao critério de miserabilidade, além de flexibilizar alguns requisitos de aposentadoria para atividades que envolvem condições de insalubridade, como o trabalho em minas de carvão.
O texto aprovado na CCJ também estabeleceu que nenhuma pensão poderá ter valor inferior ao salário mínimo, diferentemente da versão aprovada na Câmara, que permitia que pensões tivessem valor abaixo do salário mínimo.
Em relação ao abono salarial, já havia sido proposto um destaque na CCJ que retirava da reforma da previdência as mudanças no critério de elegibilidade. A votação terminou empatada, com voto de minerva a favor da mudança por parte da Presidente da CCJ, Senadora Simone Tebet.
Outro tema que desde o início fez parte das discussões no Senado foi a inclusão dos estados e municípios na reforma. Para evitar que o texto principal retornasse à Câmara, isso foi feito por meio da PEC paralela, ainda em estágio inicial de tramitação. As outras mudanças foram supressivas, o que evita o retorno da PEC à Câmara.
Era previsível que o Senado fosse dar uma atenção maior a questões federativas. O surpreendente é que um tema como a divisão do bônus de assinatura do leilão do excedente da cessão onerosa tenha interferido na discussão da previdência.
Aqui surgem novamente os problemas de articulação política e coordenação entre as duas Casas do Legislativo. A divisão do bônus de assinatura proposta pela Câmara destinava aos estados e municípios 30% da parte remanescente depois do pagamento à Petrobras (15% para cada ente). O Senado manteve essa divisão, mas destinou uma parcela de 3% dos recursos da União para o Rio de Janeiro e incluiu critérios de destinação e utilização dos recursos.
Por se tratar de uma PEC, a proposta voltou para a Câmara, que tem dado indicações de que pretende destinar uma parcela maior para os municípios. Isso contrariou vários senadores, que ameaçam não votar a reforma da previdência em segundo turno se o governo não assegurar a divisão aprovada no Senado, possivelmente por meio de uma medida provisória.
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O que esses episódios indicam é que dificuldades naturais para a aprovação de qualquer reforma são particularmente pronunciadas no Brasil. Um quadro que já era difícil se tornou ainda mais complexo, diante da falta de interesse e capacidade de articulação política por parte do governo Bolsonaro.
Esse espaço de liderança do processo de reformas tem sido ocupado com certo sucesso pelo Congresso, mas os sinais de tensão entre Câmara e Senado tornam-se a cada dia mais evidentes. Isso já está dificultando a aprovação da reforma da previdência, e pode eventualmente prejudicar a tramitação da reforma tributária.
É possível que as duas casas do Congresso eventualmente se entendam e consigam conduzir em conjunto uma agenda de reformas. Mas isso exigirá um esforço de coordenação que ainda parece estar longe de ser alcançado.
Fonte: “Blog do IBRE”, 07/10/2019