Mais barulhentos, os governadores do Nordeste gostariam de participar dessa que, sob a batuta de Paulo Guedes e lavra de Rogério Marinho e Leonardo Rolim, deve ser a melhor proposta de reforma da Previdência que tem circulado desde que comecei a acompanhar o assunto. Só que, mesmo virtualmente quebrados financeiramente no curto prazo, seu apoio é condicionado, não à ajuda financeira federal – super bem-vinda no difícil momento em que vivem –, mas à retirada das partes do texto, que, no regime geral, são para eles politicamente mais indigestas.
Trata-se das relativas ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), à aposentadoria rural, à capitalização, que sofre forte resistência ideológica, sem falar na que desconstitucionaliza vários dispositivos incrustados na Constituição nos colocando no mesmo time de Gana, único país do mundo com a constituição tão detalhada nesse aspecto.
Sem espaço para uma avaliação mais detalhada, o fato é que a parte que deveria realmente interessar aos Estados é a que bate diretamente nos seus orçamentos, a dos servidores públicos, segmento esse que, ao lado de se constituir no grupo de pressão política mais poderoso do País, é também – talvez até por isso – o mais forte alvo de amplas acusações de privilégios.
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Para perceber como a reforma será importante para a grande maioria dos Estados, é preciso mostrar números que falem bem alto. Primeiro, vêm os déficits orçamentários anuais, que são retirados dos respectivos balanços. Se compararmos o déficit total médio do último mandato com os déficits médios dos cinco mandatos precedentes, que haviam oscilado em torno de zero, vê-se uma deterioração muito grande nos resultados estaduais. Na média de 2015-18, eles pularam para um déficit de nada menos que R$ 19,3 bilhões. Por conta disso, estimam-se atrasados de cerca de R$ 100 bilhões no início dos atuais mandatos, à espera de uma solução.
Chocante. Ou seja, a rigor, os governadores da última safra deveriam estar sendo processados pelos respectivos tribunais de contas, pois a lei proíbe a transferência de resultados negativos entre mandatos.
Olhando para a frente, projeções oficiais dos Estados revelam a perspectiva de déficits médios anuais de R$ 35,2 bilhões em 2019-2020. Levados ao final dos atuais mandatos, implicariam a acumulação de R$ 70,4 bilhões em nova rodada de atrasados. Caos financeiro. Note que a reforma em exame implicaria um ajuste de um terço dos atuais déficits. Daí sua importância.
Por trás disso, está principalmente a explosão dos déficits previdenciários, que, depois de virem crescendo a taxas altas, pularam de uma média de R$ 23 bilhões em 2006-12, para R$ 101,9 bilhões, em 2018, e tendem a continuar subindo rapidamente.
Quanto aos demais governadores, é chocante observar a quase indiferença em relação ao assunto, como se não os afetasse igualmente e talvez até mais. Nesse particular, deve-se destacar a postura corajosa de João Doria, governador de São Paulo, que, mesmo não tendo problemas de caixa como os da grande maioria, saiu repentina e ruidosamente em defesa da tese correta de, em que pese tudo o mais, não deixarmos de incluir os Estados na proposta de reforma. Igualmente meritória é a de Wellington Dias, governador do meu Piauí, que, além de ser o único Estado definitivamente empenhado no equacionamento do seu problema previdenciário e um dos únicos capazes de aprovar reforma idêntica à federal nas suas plagas, vem se dedicando a convencer os colegas de região a flexibilizar suas posições.
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Minha queixa final é com os deputados do Centrão, que acusam os Estados de fazer corpo mole na votação da reforma, o que só vale para um ou outro. Teriam dito ao governo, cada vez menos forte politicamente, que a reforma que interessa à União eles têm como passar, já a dos Estados, eles que se virem… Em relação ao Executivo Federal, é preciso apoiar financeiramente os Estados de forma rápida e contundente, caso contrário terá de fazer isso quando a crise explodir para valer e será um deus-nos-acuda…
Fonte: “Estadão”, 13/06/2019