Nessas primeiras semanas do novo governo, ele já deu uma boa amostra de suas intenções e das trapalhadas que a ideologia desprovida de experiência pode fazer. Seria um prato cheio para qualquer oposição.
A oposição à esquerda, no entanto, inexiste. Nas disputas para a presidência da Câmara e do Senado, a dúvida é entre representantes da política tradicional e direitistas recém-chegados.
Mesmo no discurso, nas redes e no debate público de maneira geral, a esquerda está sumida. E se encontra assim porque seu maior representante, o PT, enterrou a cabeça na terra e escolhe viver num mundo de fantasia.
Nele, Lula sairá da prisão para salvar a todos. Enquanto dom Sebastião não volta, não há nenhuma alternativa.
Os dirigentes atuais do partido parecem realmente acreditar no discurso da campanha (que fracassou): fazem vigílias a Lula, repetem sem convicção o discurso que a eleição foi fraudada, defendem Cesare Battisti, prestigiam a posse de Maduro na Venezuela.
Mesmo do ponto de vista puramente estratégico tem sido um tiro na água: a população não compra esses valores, embora talvez gostasse de pautas tradicionais da esquerda como combate à desigualdade.
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A cegueira voluntária do PT é a oportunidade para outras forças surgirem. Tão importante quanto encontrar nomes, penso, será determinar uma agenda que não repita os erros do passado recente.
A esquerda brasileira perdeu a chance de se modernizar, seguindo o caminho possível que se desenhara no primeiro mandato de Lula: foco em política social sem comprometer a ordem econômica do sistema.
Infelizmente, as sementes da ruína já estavam lançadas: a tentativa de cooptar todo o sistema político, o aparelhamento do Estado e, posteriormente, o abandono da responsabilidade fiscal e a aposta no crescimento pelo consumo e crédito, ignorando os problemas estruturais da sociedade.
Uma escolha precisará ser feita: manter a crença no dirigismo econômico, na industrialização a todo custo, na irresponsabilidade fiscal como motora do crescimento, no “vale-tudo” pelo poder (um flerte com a ideia de revolução) e na postura automaticamente reativa ao “imperialismo”, ou aceitar e promover a economia de mercado, garantir a sustentabilidade ambiental e fiscal, buscar se integrar à economia mundial para, dentro dessa estrutura, focar recursos na construção de uma malha de proteção social e redistribuição de renda e na defesa convicta do Estado democrático de Direito (onde não vale tudo para vencer).
O bem social se produz no equilíbrio de demandas opostas: liberdade, estabilidade e igualdade. Todos merecem seu espaço, e é isso que as regras do jogo democrático, a divisão de poderes e a imprensa livre garantem.
Contra a torrente de mentira, distorção e caos discursivo que emana do atual governo, a oposição à esquerda será importante, desde que responsável.
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Contra um governo que já promete resvalar para a demagogia populista de direita e que, ao menos no discurso, arrisca comprometer nossas instituições, ser oposição de verdade é zelar pelas regras do jogo democrático e pela objetividade na informação.
Voltar aos sonhos populistas do passado e à retórica da guerra contra o inimigo ilegítimo (em vez do adversário dentro das regras da democracia) é alimentar as ameaças que se avizinham.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 15/01/2019