O governo Temer vai terminando, com marcas excepcionais tanto do lado positivo quanto do negativo. Talvez será o presidente na história mais controvertido que tivemos com uma disparidade inaudita de bons resultados na economia em relação às tramas jurídicas em que se envolveu.
Bom lembrar aqui que resultados positivos na economia não podem ser lidos apenas através dos dados de PIB. Eles de fato foram fracos, mas irremediavelmente relacionados à crise política que se iniciou em maio de 2017. Não fosse isso e as sequentes crises políticas em que nos metemos, o PIB teria crescido mais do que tivemos até hoje. Mais ainda, vale lembrar também que o presidente herdou o país com os instrumentos de política macroeconômicas destroçados: inflação elevada e forte expansão da dívida impediram o uso de juros e gasto público para estimular mais a economia.
Mas, mesmo assim, crescemos 1% em 2017 e devemos fechar com 1,4% este ano, muito longe do que gostaríamos, mas valendo lembrar o que poderia ter sido caso estivéssemos ainda com a presidente Dilma. Em exercício hipotético, supondo que o PIB tivesse caído 4% em 2016, mais 3,5% em 2017 e 2,5% em 2018, nós deixamos de perder R$ 250 bilhões de PIB nesse período. Ou seja, a entrada de Temer ao menos ajudou a evitar que R$ 250 bilhões de PIB sumissem nos anos finais de Dilma caso ela não tivesse saído.
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Não foram poucas as boas reformas que o presidente Temer entregou. Desde a regra do teto, sobre a qual tenho divergências, mas como sinalização geral de uma regra de gastos foi no sentido correto, até medidas na área educacional, como a reforma do ensino médio, aconteceram. Medidas que nós economistas há muito tempo queríamos ver como a modificação da TJLP, a reforma trabalhista, reestruturação das empresas estatais, com a Lei de Responsabilidade das Estatais aprovada, concessões em condições mais realistas voltando a acontecer, a regulamentação da duplicata eletrônica e a Lei dos Distratos, entre tantas outras. Não foram poucas as mudanças em tão pouco tempo, lembrando que muito provavelmente a reforma da previdência, ainda melhor que a atual no Congresso, teria sido aprovada caso o escândalo Joesley não tivesse acontecido.
O resultado líquido provavelmente para a economia teria sido mais do que isso dado que o presidente eleito em 2018 contra Dilma teria anos de devastação à frente para consertar. Além disso, os diversos programas lançados nos últimos dois anos e meio terão impactos positivos de produtividade que nem entram nessa conta. Se somados ao que se espera de reformas microeconômicas do governo Bolsonaro, o crescimento pode voltar a acelerar para cima de 3%, caso se aprove a reforma da previdência.
As reformas microeconômicas de Temer se juntam a um empuxo político que de certa forma se assemelha ao que se viu quando Lula entrou em 2003. Naquele momento, havia o medo de um governo de esquerda não entregar reformas necessárias e quanto se descobriu que nos primeiros anos Lula seguiu a cartilha isso ajudou a destravar o crescimento. Havia a leitura de que o país parecia imune a governos de diferentes posições e que isso não interferiria na política econômica. Ledo engano que se viu ao longo dos anos, mas que surtiu muito efeito para o investimento no início.
Agora, algo semelhante pode acontecer com Bolsonaro. Havia muito receio de que sua conversão liberal não fosse verdadeira, que não haveria de fato medidas econômicas na linha do que Temer apresentou. Por ora, parece que ele entregará um caminho semelhante ao de Temer, com uma consequência política importante: a percepção que também com um governo muito à direita a trajetória de política econômica poderá seguir a mesma. Quem sabe talvez indicando um caminho de mais racionalidade econômica para a esquerda.
Se isso se materializar, podemos ter resultados positivos ao longo dos próximos anos, pois será o casamento positivo entre boas práticas de política econômica com uma política bem balanceada, a dúvida maior ainda ficando neste último item.
O único elemento que será diferente do período 2003 a 2008 será o cenário internacional, muito mais favorável àquela época do que agora. Isso tende a tirar pontos do crescimento brasileiro, até porque parte do ajuste em relação ao desastre do governo Dilma ainda está sendo feito.
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Bolsonaro herdará uma economia em alguns aspectos mais complicada do que Lula herdou, mas com uma visão hoje muito mais clara do que precisa ser feito. Se havia alguma dúvida ainda da necessidade de um bom arranjo fiscal em 2003, hoje já não há mais espaço para isso. O risco de uma invertida fiscal que ocorreu com a saída de Palocci parece não ser o caso agora. Além disso, as contas externas que ele herdará são sobremaneira melhores do que Lula herdou e que, na verdade, foram geradas pelo próprio medo de sua eleição.
Esperamos que o novo arranjo político funcione depois de décadas e décadas sistematicamente sendo diferente. Esse será o maior desafio do novo presidente.
Fonte: “Exame”, 07/12/2018