Bolsonaro não morre de amores pela imprensa. É um fato. Parece acreditar, equivocadamente, que as redes sociais são a bola da vez. Esquece que a agenda pública continua sendo determinada pelas empresas jornalísticas tradicionais. O que você conversa com os amigos, goste ou não, foi sussurrado por uma pauta de jornal. As redes sociais reverberam, multiplicam. Mas o pontapé inicial é dado por uma reportagem. Bolsonaro precisa conversar com a mídia. As críticas aos governantes, mesmo injustas, fazem parte do jogo.
Creio, no entanto, que Bolsonaro tem enviado mensagens pacificadoras. O café da manhã do presidente da República com jornalistas foi uma boa iniciativa. Estive num deles. O papo foi solto. Começou às 8h30 e esticou-se até as 9h30. Foram feitas perguntas incômodas, algumas com contundência, e o presidente respondeu numa boa. Eu mesmo questionei o distanciamento do presidente da mídia e sua obsessão pelas redes sociais. Ele reconheceu o equívoco de algumas “caneladas” e manifestou o desejo de conversar. Acho, sinceramente, que há um empenho de abertura. Alguém se lembra quantas coletivas de imprensa foram dadas no longo reinado de Lula e Dilma?
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Mas nós, da imprensa, talvez ressentidos pelo estilo polêmico do presidente, sobretudo pela agressividade dos seus filhos, não estamos captando os sinais do governo. Por isso temos sido excessivamente críticos com uma administração que está nos começos e carregando uma herança para lá de incompetente, corrupta e irresponsável. Um governo só pode ser avaliado depois que se constate se as coisas melhoraram ou pioraram em consequência das decisões que pôs em prática. Tem gente séria trabalhando: Paulo Guedes, Sergio Moro, Tarcísio Gomes de Freitas e general Heleno, entre outros. O porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros, entende o nosso trabalho e colabora com as nossas demandas. Não dá para comparar com ministérios de recente e triste memória. É necessário superar o clima de Fla x Flu e encontrar o ponto de equilíbrio: respeito e independência.
Governo e imprensa não podem ter uma relação promíscua. É salutar uma certa tensão entre as instituições. Mas precisam conversar. São peças essenciais para o funcionamento da democracia. Espero que Bolsonaro desça do palanque e assuma o papel de presidente de todos os brasileiros. Espero, também, que nós, jornalistas, deponhamos as armas de uma agenda fortemente negativa e façamos jornalismo propositivo.
As redes sociais claramente tiveram papel decisivo na eleição de Bolsonaro. Ele falou diretamente com o eleitorado. Rompeu, como nunca antes se tinha visto, a intermediação das empresas de comunicação. E a coisa está pegando. Mas não cola por acaso. O fenômeno de desintermediação teve, creio, precedentes que poderiam ter sido evitados não fosse o distanciamento da mídia dos seus leitores, sua dificuldade de entender o alcance das novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sua falta de isenção informativa e certa dose de intolerância.
Os leitores, com razão, manifestam cansaço com o tom sombrio das nossas coberturas. É possível denunciar mazelas com um olhar propositivo. Pensemos, por exemplo, na ignominiosa situação do saneamento básico. É preciso reverter um quadro que agride a dignidade humana, envergonha o Brasil e torna inviável o futuro de gerações. Não seria uma bela bandeira, uma excelente causa a ser abraçada pela imprensa? Em vez de ficarmos reféns do diz que diz, das intrigas e da espuma que brota nos corredores de Brasília, que não são rigorosamente notícia, mergulhemos de cabeça em pautas que, de fato, ajudem a construir um país que não pode continuar olhando pelo retrovisor.
Não podemos viver de costas para a sociedade real. Isso não significa ficar refém do pensamento da maioria. Mas o jornalismo, observador atento do cotidiano, não pode desconhecer e, mais que isso, confrontar permanentemente o sentir das suas audiências. A verdade, limpa e pura, é que frequentemente a população tem valores diferentes dos nossos.
O jornalismo precisa fazer a leitura correta e isenta dos acontecimentos. É preciso informar com objetividade. Esclarecer os fatos sem a distorção das preferências e dos filtros ideológicos.
A internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das comunicações transformaram a política e mudaram o jornalismo. Queiramos ou não.
A imprensa de qualidade, séria e independente, é essencial para o futuro da democracia. E tudo isso, tudo mesmo, depende da nossa coragem e humildade para fazer a urgente e necessária autocrítica. Não bastam medidas paliativas. É hora de dinamitar antigos processos e modelos mentais. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa.
Neste Brasil sacudido por uma tremenda crise ética, alimentada pelo cinismo e pela mentira dos que deveriam dar exemplo de integridade, há, felizmente, uma ampla classe média sintonizada com valores e princípios que podem fazer a diferença. E nós, jornalistas, devemos escrever para a classe média. Nela reside o alicerce da estabilidade democrática. O que segura o Brasil é o cidadão comum. É o trabalho honrado e competente. É o empreendedorismo que consegue superar o terreno minado pela incompetência. É o empresário que toca o negócio e não dá propina. Sou otimista. Apesar de tudo.
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A violência, a corrupção e a incompetência estão aí. E devem ser denunciadas. Não se trata, por óbvio, de esconder a realidade. Mas também é preciso dar o outro lado, o lado do bem. Não devemos ocultar as trevas. Mas temos o dever de mostrar as luzes que brilham no fim do túnel. A boa notícia também é informação. E, além disso, é uma resposta ética e editorial aos que pretendem tornar o jornalismo refém da fácil cultura do negativismo.
Fonte: “Estadão”, 03/06/2019