O desenvolvimento do pré-sal vai provocar um choque de oferta de gás natural no Brasil nos próximos seis anos. Esse aumento da oferta tem de vir acompanhado do crescimento do mercado de gás e isso traz inúmeros desafios.
Um deles é equacionar a o balanceamento entre demanda e oferta numa escala nunca vista no País e com a presença de vários players privados ao longo de toda a cadeia. Neste momento, com o governo lançando as bases do programa Novo Mercado de Gás e com a assinatura de um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) entre o Cade e a Petrobrás com o objetivo de acabar com o monopólio da estatal, é preciso eliminar o monopólio da empresa como supridora de última instância. A forma adequada é a estatal vender campos depletados e, com isso, possibilitar o surgimento da figura do armazenador de gás.
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As instalações de armazenagem de gás natural subterrâneas em campos depletados são uma parte integral da infraestrutura da indústria de gás e são usadas para balancear inicialmente os crescimentos defasados entre produção e mercado e, posteriormente, a sazonalidade da demanda, assegurando o suprimento em caso de choques na oferta. No mundo, o uso dos reservatórios de campos depletados para armazenagem é a maneira mais eficaz e barata de guardar grandes quantidades de gás natural no longo prazo, seguido do uso de aquíferos e cavernas de sal. Aquíferos e cavernas de sal adequados ainda não foram encontrados no Brasil.
No final de 2017, 45 projetos de armazenagem de gás estavam em construção no mundo, com capacidade total aproximada de 35 milhões de m³ – equivalente a três vezes a capacidade estimada de um único projeto para armazenagem num campo na Bacia de Santos, um bom exemplo por integrar-se naturalmente ao suprimento da Região Sudeste, centro da demanda no Brasil.
Os EUA são de longe o país mais importante em termos de capacidade de armazenagem de gás instalada, com 140 bilhões de m³, de um total global de cerca de 450 bilhões. Trata-se de um país continental e com um mercado de gás expandido e capilarizado, o que explica por que, das quase 700 instalações de armazenagem subterrâneas existentes no mundo, cerca de 400 estejam nos EUA (80% em campos depletados, 10% em aquíferos e 10% em cavernas de sal).
Os EUA chegaram a um ponto em que são capazes de restaurar rapidamente o estoque de armazenamento de volta aos níveis normais, mesmo depois de um choque de demanda causado por um inverno mais rigoroso. Em média, cerca de 70 bilhões de m³ de gás são produzidos e armazenados a cada ciclo anual nos EUA, com a armazenagem utilizada alcançando cerca de 105 bilhões de m³ no meio do outono, em outubro, e caindo para cerca de 35 milhões de m³ passado o inverno, em abril.
A Rússia vem logo atrás, com mais de 70 bilhões de m³ de capacidade de armazenagem de gás, seguida por Ucrânia, Canadá e Alemanha, com 32, 27 e 24 bilhões de m³, respectivamente. A China está expandindo sua capacidade de armazenagem com o uso de reservatórios depletados dentro de sua estratégia de substituição de carvão por gás. Estes países utilizam campos depletados terrestres – exceto a Alemanha, que usa cavernas de sal por não ser um país produtor de gás, e sim um grande importador. Um país com experiência no uso de campos offshore depletados é o Reino Unido, onde instalações do tipo já operam e novos projetos estão em construção.
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No Brasil, para que consolidemos o novo mercado de gás natural de forma estruturada, é essencial a existência do armazenador de gás. Esse agente econômico, sob regulação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), poderá construir e operar reservatórios em campos depletados e prestar serviços por meio de contratos, contribuindo para estabelecer a segurança ao balancear a sazonalidade da demanda. Estes são projetos de infraestrutura altamente intensivos em capital, com custos estimados, nos EUA, de US$ 200 milhões a US$ 400 milhões por bilhão de m³ de armazenagem, e a entrada em operação é de cinco anos. Armazenar vento ainda não é viável, mas gás natural é possível e necessário.
Fonte: “Estadão”, 10/08/2019