“Governar é abrir estradas”, dizia o presidente Washington Luis. Não mais, mas o papel do caminhão na economia brasileira continua crucial, a ponto de a sua falta ter o peso de parar o país, como em 2018. Os caminhoneiros movimentam 60% de toda a carga brasileira, através de 1,7 milhão de quilômetros de estradas, quase sempre mal conservadas.
Historicamente, o sistema viário brasileiro sempre foi dependente das estradas, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos ou a Franca, que têm nas ferrovias o seu principal meio de transporte, de gente e de mercadoria.
Por isso, a greve dos caminhoneiros em 2018 parou o país por dias, afetando o abastecimento das cidades. Pouco depois do Dia do Caminhoneiro, que se comemora em 20 de maio, fez um ano a nova tabela de frete, fruto de negociações entre o governo Temer e as lideranças da greve de caminhoneiros. Que já está superada.
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A carga tributária sobre o preço do diesel foi a detonadora da greve, e até hoje a questão não está resolvida, volta e meia o fantasma de uma nova paralisação assombra o governo Bolsonaro, que, por sinal, apoiou a greve em 2018.
Os donos de carga alegam que a tabela foi editada para acabar com a paralisação, e não reflete os verdadeiros custos operacionais de transporte. E pleiteam no Supremo Tribunal Federal o fim do tabelamento de fretes. Uma nova tabela está em consulta pública, e deve entrar em vigor no próximo mês. As transportadoras, receosas dos efeitos da greve que mobilizou sobretudo os caminhoneiros autônomos, aumentaram suas frotas, reduzindo o mercado de subcontratações.
Hoje, como sempre, o caminhão continua sendo o símbolo de um país que buscou a interiorização através das estradas. Por isso, é também representativo da cultura nacional, ajudando a espalhar pelo país a música sertaneja, gerando série de sucesso na televisão como Carga Pesada, com os caminhoneiros Pedro e Bino, interpretados por Antonio Fagundes e Stênio Garcia protagonistas de aventuras pelas estradas.
Um dos livros seminais sobre a importância econômica e cultural do caminhoneiro é “Em torno da sociologia do caminhão”, de Marcos Vilaça, membro da Academia Brasileira de Letras, que identificou, nos anos 60, que as cidades brasileiras já não nasciam no litoral e à beira dos rios, mas em torno dos postos de gasolina.
O caminhão como o novo agregador social, responsável pela interiorização da economia brasileira, ganhou com o livro de Vilaça nova dimensão sociológica. O livro dedica capítulos especiais à importância na economia, às romarias, ao pau de arara, às frases dos parachoques dos caminhões, à relação do caminhão com as artes.
Reeditado em 2001, incluiu análise do livro de Oswaldo França Junior “Jorge, um brasileiro”, que dava a dimensão “ do Brasil “dos motoristas, das estradas de rodagem, dos caminhões, das cidades que surgem, das realidades que avançam”.
Barbosa LIma Sobrinho diz, no prefácio à segunda edição, que o caminhão tem a função de integrar o Brasil, numa tarefa desbravadora. E os compara às entradas e bandeiras, “tamanho e crescente é o intercâmbio”.
Para ele, “o caminhão nada fica a dever às formas antigas de comunicação, como elemento civilizador por excelência”. O livro de Vilaça continua atual nos dias de hoje, em que os caminhoneiros se mantém fundamentais para a economia do país. E tristemente atual, pois trata também dos assaltos nas estradas, desde sempre em condições precárias de conservação e segurança.
O trabalho do caminhoneiro, tido como aventureiro e romântico, continua sendo também precário nos dias de hoje, em que a necessidade de varar noites dirigindo leva a que muitos se envolvam com drogas, antes as anfetaminas, conhecidas como “rebite”. Agora, já a cocaína.
Supostamente para beneficiar os caminhoneiros, e outros motoristas profissionais, o presidente Bolsonaro enviou um projeto de lei ao Congresso alterando o Código Nacional de Trânsito em pontos relevantes: ampliou o tempo de validade das carteiras, aumentou o número de pontos para sofrer penalidades e acabou com a obrigatoriedade de exames toxicológicos.
São medidas populistas, como o tabelamento do frete, que não resolvem a questão em si, a crise do transporte rodoviário e a crescente presença de empresas de transportes, reduzindo o campo de atuação dos caminhoneiros autônomos. Uma profissão em decadência, mas que ainda pode parar o país.
Fonte: “O Globo”, 23/06/2019