Dias após ter enviado ao Supremo Tribunal Federal forte denúncia contra Michel Temer por corrupção passiva, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, submeteu à mesma casa ação contra a lei de terceirização, aprovada pelo Congresso no começo do ano e vista como peça importante das reformas econômicas. Janot considerou que a lei é uma ameaça ao sistema de proteção social, ignorando que permite às empresas obter enormes ganhos de produtividade, sem que elas deixem de ser cobradas por boas práticas trabalhistas. Em direção oposta, o ministro Gilmar Mendes passou por cima de evidências de doação irregular para a chapa Dilma-Temer e veementemente se opôs à tese de cassação. Por outro lado, e com muita razão, denunciou salários de juristas acima do teto, uma verdadeira afronta ao urgente esforço de ajuste fiscal. Ainda pior fazem os grupos de esquerda: não defendem nem um lado nem o outro. Para eles, as reformas são apenas agrados ao mercado financeiro e a Lava-Jato é um complô para destruir a classe política. Mas onde estão os ardorosos defensores das duas coisas ao mesmo tempo — profundas reformas e vigorosa punição a desvios?
Incondicionais apoiadores do combate à corrupção deveriam também clamar por reformas. Infelizmente, a corrupção está longe de ser o nosso único problema. A Polícia Federal estimou que as perdas com a corrupção no país chegaram a 123 bilhões de reais em quatro anos de investigação. Esse valor não se compara ao montante com que os cofres públicos têm de arcar com desonerações, subsídios, supersalários e diversos programas deficitários. Só a Previdência, no ano passado, teve um rombo de cerca de 150 bilhões de reais. Sem as reformas, não há confiança na economia e as contas públicas não fecham, pondo em risco o próprio aparato de controle do Estado e abrindo espaço para líderes populistas que vendem ilusão (e benesses) em troca de apoio. Já bem sabemos como tudo isso termina.
De outra parte, aqueles que defendem fervorosamente as reformas não podem abrir mão do combate irrestrito à corrupção. É difícil angariar apoio popular às reformas quando o grupo no poder é frequentemente envolvido em denúncias. A tese de que só o atual governo tem chance de tocar as reformas é falsa. Cedo ou tarde, governos futuros enfrentarão os problemas de baixa produtividade da economia, dívida pública crescente e pouca efetividade de gastos. Além disso, o mesmo Congresso que, em tese, pode se unir para salvar o pescoço de um governo pode se alinhar para reformas que reanimem a economia. De quebra, aprovando boas medidas, pode tentar mudar a péssima imagem que o sistema político já carrega.
Não há atalho: o combate à corrupção e o apoio às reformas devem andar lado a lado e com igual força. Precisamos de líderes com irredutível esforço de combate à corrupção, mas também com moral e ânimo para comunicar à sociedade a necessidade de controle de gastos e medidas pró-eficiência. Pender para um lado ou para o outro só nos trará soluções efêmeras para manter tudo como está: um Estado que gasta mal e beneficia alguns poucos.
Fonte: “Veja”, 12/07/2017.
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