Como o Brasil é chegado a um faniquito, vale esclarecer de saída: projeto nenhum vai acabar com a Lava Jato, canetada nenhuma vai acabar com a Lava Jato. A operação que mudou o Brasil é uma força-tarefa – composta de integrantes abnegados de instituições que não foram inventadas ontem: Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal e Justiça. E a justiça continuará sendo feita enquanto houver uma força-tarefa de excelência mobilizada para isso.
A lei contra Abuso de Autoridade é, evidentemente, um abuso – e foi empurrada goela abaixo da Câmara dos Deputados pelo bibelô da imprensa panfletária, Rodrigo Maia.
Como você sabe, o presidente da Câmara foi ungido por boa parte da mídia como uma espécie de Rui Barbosa do Centrão – o novo gênio da articulação política nacional. Venderam a história cômica de que a reforma da Previdência – elaborada pela equipe de Paulo Guedes e pautada graças ao apoio popular a essa equipe – foi um milagre de Rodrigo Maia.
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Essa comédia foi comprada como verdade por muita gente inocente – o que não falta nesse país cheio de culpados – e replicada mundo afora como uma fábula de “resistência democrática”. Ou seja: Rodrigo Maia, um típico produto carioca que começa e acaba na embalagem, sem densidade política nem eleitoral, sem brilho, sem carisma, enfim, sem nada dentro, vira um Napoleão Bonaparte contra o fascismo imaginário. Mas na malandragem da lei do Abuso de Autoridade ele milagrosamente some.
Chega a ser comovente que grandes veículos de comunicação continuem acreditando nessa aposta ridícula – Rodrigo Maia como o androide que substituirá os governantes de direito e privatizará o palácio, ou o deixará na sombra de um “parlamentarismo branco” (pode rir que é de graça). Foi assim na conspiração operada por Rodrigo Janot com a delação arranjada de Joesley e a cumplicidade do STF.
Esse foi o mais escandaloso caso de abuso de autoridade da história recente do Brasil – uma conspiração Tabajara que tinha entre seus cenários a investidura de Maia como o herdeiro da nascente República da JBS. Deu espetacularmente errado, mas um ano depois estavam eles aí de novo conspirando contra o governo – e tentando sabotar, ostensiva e pessoalmente, o próprio Paulo Guedes e Sergio Moro, atacados de forma sistemática e vil pelo próprio Rodrigo Maia, o Mahatma Gandhi do balneário.
Nunca se vira no Brasil um presidente da Câmara cuspindo impropérios quase diariamente contra autoridades do governo, qual um Jean Wyllys de condomínio. Nem Eduardo Cunha, em sua guerra letal com o PT, foi visto numa semelhante sequência de achincalhes – a cada vez que os holofotes amigos se acendiam. Luz, câmera, conspiração.
A ideia era fazer o governo chegar morto-vivo aos seis meses de vida, sem condições de reformar nada. Mas conspirador Tabajara está fadado a vitaminar o inimigo – e foi o que aconteceu. Aí, se a reforma da Previdência se tornou inevitável, era melhor transformar o sabotador em herói.
O mais importante efeito, portanto, da manobra obscura de imposição da lei do Abuso de Autoridade foi mostrar quem é Rodrigo Maia – se é que os inocentes conseguiram vê-lo dessa vez, já que o herói de outrora, estrela cativa das manchetes e telejornais, ficou subitamente tão discreto que quase nem sai na foto.
Se arroubos como essa lei do Abuso pudessem matar a Lava Jato, o STF já a teria exterminado há muito tempo. Os supremos companheiros tentaram de tudo para blindar Lula, Dilma e os cardeais do petrolão. Foram capazes até de inventar uma “liberdade provisória” para soltar o maior ladrão do país – com a premissa da suspeição de Sergio Moro a partir daquelas mensagens roubadas, não periciadas e não reveladoras de nada que manchasse o processo judicial. Contando ninguém acredita.
+ Merval Pereira: Abusos de interpretação
Já tinham tentado melar a devassa tirando inquéritos das mãos de Moro, pulverizando investigações da Odebrecht, tentando jogar a opinião pública internacional contra a operação que atingia os anjinhos do PT – enfim, tentaram de tudo. E tudo sem sucesso. A cada embaraço que se tentou criar, a missão soube se reorganizar e crescer.
Assim continuará sendo, enquanto a força-tarefa contar com servidores preparados, corajosos e dispostos a levar a missão adiante. E enquanto os democratas de butique não acabarem com a democracia.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 16/08/2019