É notável pensar em como os destinos do país podem estar amarrados às decisões de uma única pessoa — no caso, o ex-presidente Lula. No que se segue, compartilho com os leitores algumas reflexões sobre a realidade atual, sua projeção para 2022 e sua influência no que poderá acontecer com o país no restante da década. Tratandose de uma análise, está sujeita a erros, mas procurarei expor meus argumentos de forma convincente. Esclareço que, ao desenvolver o raciocínio a ser exposto, o faço despojado de qualquer avaliação acerca dos personagens envolvidos. Na vida, aprendi a separar as preferências pessoais do que a análise fria indica que provavelmente tenderia a acontecer. Não há então, aqui, nenhum juízo de valor envolvido acerca de ninguém em particular.
Assumo, na análise, a premissa de que o país chegue às eleições de 2022 num contexto marcado por circunstâncias parecidas com as atuais, com destaque para:
— um quadro de modesta recuperação da economia, com lenta redução do desemprego e alguma melhora do investimento;
— um ambiente político dominado pela polarização ideológica entre os extremos; e
—uma vedação formal à candidatura do ex-presidente Lula, que, mesmo em liberdade (o que difere do quadro de 2018), continuaria impossibilitado de concorrer, por não atender aos requisitos da “Lei da Ficha Limpa”.
Nesse quadro, o primeiro elemento dá ao presidente Bolsonaro um peso eleitoral importante como incumbente, tendo um piso de votos muito maior que aquele ao qual poderia aspirar, por exemplo, Michel Temer, se tivesse sido candidato há dois anos, com a economia na época com desemprego elevado.
Por outro lado, o segundo elemento, embora solidifique o apoio ao presidente, dando a este uma base fiel, podendo-se qualificar de incondicional — no sentido de que estará fechada com ele em qualquer circunstância — acaba dificultando a adesão de grupos associados ao centro do espectro político. Estes, em muitos casos, acabaram sufragando seu nome nas eleições de 2018, mas as sondagens que os institutos de pesquisa têm feito ao longo de 2019 e 2020 sugerem que uma parte desse eleitorado não está plenamente satisfeita com o governo.
Finalmente, o terceiro elemento obriga a qualificar as atuais pesquisas eleitorais, ajustando-as em função de uma perspectiva já comprovada na eleição de 2018: a de que Lula é muito maior que a candidatura do PT — e de que ele puxa votos.
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Isto deixa o país, portanto, com o seguinte “cenário base”:
a) uma candidatura do presidente Bolsonaro, na liderança isolada das pesquisas;
b) uma “candidatura do PT”, inicialmente com algo entre 15 % e 20 % dos votos; e
c) um mosaico de candidatos adicionais, que inclui, entre outros, João Doria, Luciano Huck, Ciro Gomes, João Amoêdo etc.
O ponto-chave, porém, é que, quando a campanha começar, Lula tenderá a elevar a votação do PT a talvez algo em torno de 30% dos votos válidos. Com a perspectiva desse candidato e de Bolsonaro terem entre 30% e 35% dos votos cada um, o caminho do centro ficará difícil para um de seus candidatos chegar ao segundo turno, caso haja uma divisão desse campo. O que nos deixa com a possibilidade clara de um novo segundo turno Bolsonaro x PT.
Isso significa que há uma chance de a chave para o resultado estar com Lula. Se o PT fizer uma campanha muito parecida com a da última eleição, o resultado provavelmente será o mesmo. Já se Lula fizer o gesto de ceder espaço a uma candidatura que se descole claramente dos grupos mais radicais do partido e que, ao mesmo tempo, sinalize ao eleitorado que não será uma marionete do ex-presidente, esse candidato apoiado pelo PT poderá ter alguma chance de atrair parte do centro. Isso lhe permitiria conquistar aqueles votos flutuantes que votaram no PSDB em épocas distantes; no PT em 2002, 2006 e 2010; no PSDB em 2014; e em Bolsonaro em 2018. Para onde penderá Lula? Quem souber a resposta terá uma boa possibilidade de acertar o resultado da próxima eleição.
Fonte: “O Globo”, 10/3/2020