Logo depois da Constituição de 1988, foi feito estudo sobre a questão previdenciária por seis feras. O estudo alertou sobre as dadivosas promessas constitucionais e se tornaram conhecidas palavras novas, como repartição e capitalização. Os governos cumpriram pouco do prometido, vários canos foram dados nos trabalhadores, criou-se aposentadorias privilegiadas para funcionários públicos e políticos. Alexandre Schwartsman chamou o governo destes trinta anos de “transgênero”: uma tentativa de aprisionar um corpão social democrata europeu num corpinho brasileiro, bem subnutrido, com resultados pífios. Abusada por interesses especiais e detonada pela demografia, nosso sistema compulsório de repartição está vegetativo. Previdência é a mãe de todas as reformas.
Reformas paramétricas mais robustas nunca foram aprovadas. Claro, são muito impopulares. Agora temos um encontro duro com a realidade. A Previdência nos mostra de forma dolorosa que idealismo é uma coisa linda, mas quando se aproxima da realidade, seus custos se tornam insuportáveis. O passivo previdenciário (não contabilizado como dívida) é quatro vezes o PIB, cinco vezes maior que a nossa já assustadora dívida pública, segundo Paulo Tafner.
Muitos países têm histórico de grandes fundos de pensão voluntários, geralmente ligados ao trabalho, que atenuaram a necessidade de sistemas de repartição compulsórios. Mas depois que o Chile em 1980 criou um sistema universal e compulsório de contas individuais, 31 países já adotaram sistemas similares. E pelo menos dez outros países já votaram legislações semelhantes e estão em processo de viabilizar a transição.
Qualquer sistema de aposentadoria num país adulto só resiste se 60% da população trabalhar e contribuir com pelo menos 11% de sua renda. Mas temos 33 milhões de desempregados e desalentados, ou seja, faltam 30 milhões de ofertas de emprego. E outros 20 milhões trabalham como “informais” e não contribuem com impostos sociais. Os maiores entraves imediatos para a criação de empregos é nosso conceito de trabalho formal e a cunha fiscal empregado/empregador. Nosso emprego chamado formal custa para o empregador três vezes mais do que o trabalhador leva para casa. Não é justo com os 33 milhões de trabalhadores com carteira assinada pelo setor privado e não é surpresa que 28 milhões de empregadores resistam em assinar carteiras. A reforma trabalhista não retirou impostos e custos transacionais sobre o trabalho, todos pagos por impotentes trabalhadores formais e pagos mais dolorosamente por desempregados, desalentados e “informais”.
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Hoje existem muitas propostas de especialistas em reforma da Previdência. Paramétricas ou propondo híbridos sistemas de contas individuais. Mas ninguém fala sobre acabar com a cunha fiscal empregado/empregador. Sem retirar impostos e a burocracia trabalhista, qualquer reforma previdenciária não irá sobreviver. É penoso que os especialistas sejam burocratas, acadêmicos ou ambos. Como Marx, o único trabalhador que conhecem é alguma cozinheira. É penoso que os advogados, políticos, burocratas públicos e mesmo alguns economistas chamam grande parte desse custo como “do empregador”. Balela. Todos os custos sobre o trabalho são pagos pelo empregado.
O problema da Previdência passar de repartição para capitalização é a transição. A dívida pública e carga fiscal explodiriam. Mas elas já explodiram, só não foram contabilizadas. E se milhões de informais e desempregados começassem trabalhar e contribuir para contas individuais, em nada afetariam a receita previdenciária atual. Para a transição, o Chile arranjou cinco tipos de soluções, todas auto-extinguíveis. Poderá aqui acontecer o que aconteceu no Chile, o escape da armadilha do crescimento baixo ajudar muito, pois além de viabilizar a Previdência, derrubou a pobreza do Chile de 70% para 7% da população. Vale lembrar que o melhor programa social que existe é um emprego. E o segundo melhor programa social é aquele que mais saem do que entram beneficiários. E a Carteira Verde-Amarela poderia custar apenas 11% do salário indo para contas individuais de 50 milhões de empregos e aliviar de forma enorme os programas sociais.