Recentemente o governo enviou ao Congresso a Medida Provisória 881/2019, denominada MP da Liberdade Econômica. Em meio à deterioração dos indicadores de atividade econômica e ao ambiente político conturbado, essa iniciativa da equipe econômica não teve a devida repercussão. Cabe então uma análise mais detalhada do que foi proposto e suas possíveis implicações.
Segundo o Parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal, “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. No entanto, embora a Constituição estabeleça o princípio da liberdade econômica, na prática a atividade empreendedora no Brasil é fortemente penalizada pela intervenção do Estado.
Esta ocorre de diversas maneiras, em particular por meio de uma regulação complexa e discricionária, que resulta em custos elevados e insegurança jurídica. Este fato é documentado anualmente pelo relatório Doing Business do Banco Mundial, que atualmente coloca o Brasil na 109ª posição do ranking mundial de facilidade de fazer negócios.
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Embora nosso desempenho seja particularmente negativo no que diz respeito ao pagamento de impostos (184ª posição), o que chama atenção é o caráter sistêmico dos entraves, o que se reflete na péssima classificação do país de acordo com a grande maioria dos indicadores, como abertura de empresas, obtenção de alvarás de construção, comércio internacional e resolução de insolvência.
Nesse sentido, a ideia central da MP 881/2019 é estabelecer garantias de livre mercado, em consonância com o princípio constitucional de liberdade econômica. Uma das formas de concretizar este princípio é colocar o foco da Administração Pública em situações de risco real à coletividade. Com esta finalidade, a MP elimina a necessidade de autorização prévia para atividades econômicas de baixo risco. A definição de baixo risco caberá ao ente federativo ou, na sua ausência, ao Governo Federal.
Nas economias desenvolvidas, as inovações tecnológicas beneficiam o consumidor por meio da oferta de novos produtos ou de produtos existentes a preços mais baixos. No Brasil, por outro lado, o controle de preços por parte do Estado é frequentemente usado para garantir reservas de mercado a produtores ineficientes.
A MP muda este quadro ao assegurar a liberdade de preços, com poucas exceções, como setores regulados. Isso impedirá, por exemplo, que empresas inovadoras que estabeleçam preços mais baixos que a concorrência sejam alvo de decisões judiciais sob a alegação de práticas predatórias, a não ser que sua conduta seja considerada anticompetitiva pelo Cade.
A relação entre o Estado e o setor privado no Brasil pressupõe muitas vezes o desvio de conduta como norma, e em consequência impõe uma regulação excessiva, que atinge todos os empreendedores de forma indiscriminada. Nesse sentido, outro aspecto relevante da MP é a presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, ao estabelecer que, em caso de dúvida em relação à interpretação de um dispositivo, prevalecerá a mais favorável à liberdade econômica. Isso criará um incentivo para que as normas e regulações sejam enunciadas de forma mais precisa, aumentando a segurança jurídica.
Várias medidas buscam reduzir as exigências regulatórias para empresas inovadoras, além de aumentar a segurança jurídica através da extensão do princípio de responsabilidade limitada a diferentes tipos de empresa e modalidades de financiamento, como fundos de investimento.
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Como já abordado neste espaço, um dos grandes entraves ao desenvolvimento do Brasil é o fato de que instituições e regulações herdadas do período de forte intervenção estatal e substituição de importações das décadas de 1950 a 1980 permanecem até hoje.
A MP ataca este problema, revogando alguns dispositivos regulatórios criados naquele período e que ainda estão em vigor. Além disso, cria parâmetros para a aferição de existência de abuso regulatório, e exige que propostas de edição ou alteração de normas por parte da Administração Pública Federal sejam precedidas por análise de impacto regulatório.
A MP da Liberdade Econômica não representa uma panaceia, já que existem inúmeros outros entraves, de natureza tributária, creditícia e trabalhista, dentre outros, que terão de ser enfrentados para que a economia volte a crescer de forma sustentada. Mas sem dúvida é um passo importante para melhorar o ambiente de negócios.
Fonte: “Blog do IBRE”, 20/05/2019