Jair Bolsonaro não se envolveu, como se esperaria de um presidente da República, nas discussões da reforma da Previdência. Talvez esse estilo faça parte do que ele denomina a nova política.
Quando se manifestou, foi mais para pedir uma reforma mais branda do que para defender seus pontos mais sensíveis. A ideia ventilada no início do ano, de que Bolsonaro seria o garoto-propaganda da reforma, não vingou.
Seus posicionamentos levaram a ajustes equivocados na proposta enviada ao Congresso. Um exemplo foi a redução da idade mínima para aposentadoria das mulheres, apesar da sua maior expectativa de vida e de que injustiças com as mulheres deverem ser preferencialmente combatidas com outras políticas públicas, e não com regras de previdência mais generosas. Como aponta Cecília Machado, seguindo a lógica das regras diferenciadas para mulheres, negros também deveriam ser em alguma medida contemplados.
Outro ajuste foi nas regras para policiais federais, civis e agentes penitenciários. Foi preservada a integralidade do valor da aposentadoria pelo último salário (para quem atingir 55 anos de idade), inclusive para os que ingressaram antes de 2003, quando houve mudança nas regras de aposentadoria, valendo não a integralidade, mas 80% dos maiores salários. Antes disso, no projeto de lei que trata da mudança do regime dos militares, também foi preservada a integralidade – algo não observado na experiência mundial –, regra que foi replicada para a polícia militar e os bombeiros.
Também faltou diálogo com os governadores, buscando um caminho para inserir os entes subnacionais na reforma, ainda que a diversidade da situação fiscal dos Estados e a postura oportunista de muitos governadores dificultem a tarefa. Se cabia a alguém essa coordenação, era ao presidente. Vale lembrar que na proposta do governo anterior, os Estados teriam até seis meses para aprovar a própria reforma, valendo a regra federal caso contrário. Enfim, a reforma enviada ao Congresso foi muito boa, mas menos ambiciosa por conta das próprias escolhas do presidente.
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Apesar da distância de Bolsonaro, assiste-se o avanço na tramitação da proposta no Congresso. Supera-se, ainda que com dificuldade, os obstáculos inerentes à votação de temas complexos e em uma estrutura política fragmentada em vários partidos que não têm compromisso com pautas nacionais. A razão principal para isso é que o tema da Previdência está muito mais maduro politicamente, com o reconhecimento pelas lideranças políticas de que, sem a reforma, o País caminhará para o colapso, e, neste caso, não há vencedores. Nessa linha, parcela do Congresso busca melhorar sua imagem com a sociedade e o establishment.
Esse é um importante ganho de maturidade do País. A nota desalentadora é que foi preciso atingir a beira do abismo para isso acontecer, com graves consequências para a população e para a economia.
O sucesso na aprovação da reforma da Previdência não serve, porém, de sinalização para as demais reformas estruturais. Há limites para o quanto o Congresso consegue avançar sozinho na agenda de reformas, sem a liderança do chefe do Executivo.
Temas polêmicos e cujo debate não está maduro sofrerão forte resistência, especialmente sem o compromisso político do Executivo. Um exemplo recente foi a medida provisória que propunha importantes mudanças no marco regulatório do saneamento básico.
Apesar da contribuição de técnicos do governo na construção da proposta, faltou envolvimento político do governo. O resultado é que a MP caducou. Não sendo superadas as arestas criadas pelas empresas de saneamento estaduais, o projeto de lei sobre o mesmo tema terá sérias dificuldades para avançar.
É possível que Bolsonaro atribua à aprovação da reforma da Previdência um atestado de sucesso da tal nova política, capitalizando politicamente o feito. Será temerário, porém, se se repetir a mesma estratégia no enfrentamento dos próximos desafios do governo.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 27/06/2019