Muitas falas de Jair Bolsonaro ainda lembram discursos de campanha. Não focam naquilo que é mais relevante e abordam temas superados ou que não demandam ação estatal. O presidente eleito tem grande capacidade de comunicação, mas precisa dar o devido peso aos temas, conforme seu grau de importância. Não basta se comunicar. É necessário definir objetivos e estratégias, para assim conquistar o apoio da sociedade à urgente agenda de reformas.
Um exemplo recente foi sua defesa de maior transparência do BNDES. Todavia, o grau de abertura de informações atualmente é equivalente ao dos bancos privados, respeitando a lei de sigilo bancário. Com sua fala, Bolsonaro passa para a sociedade a ideia equivocada de que nenhum ajuste foi feito no banco nos últimos anos, enquanto perde a oportunidade de discutir seus reais desafios.
Tem havido muitos avanços no BNDES. O principal foi em 2017 com a mudança do cálculo da taxa de juros cobrada nos empréstimos, com a substituição da TJLP pela TLP, sendo a primeira uma decisão discricionária do governo e a segunda o reflexo das condições de mercado. Se houver intenção de emprestar a taxas mais baixas, será necessário obter aprovação do Congresso para o subsídio a ser concedido. Uma combinação saudável de transparência, zelo com os cofres públicos e deliberação da sociedade.
O temor de muitos de que a mudança faria os investimentos caírem não se materializou. Houve importante substituição de empréstimos do banco por outras fontes de financiamento no mercado de capitais e no mercado internacional, principalmente para empresas maiores. Segundo o Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), 2017 foi possivelmente o melhor ano da história para esse mercado, tendo sido responsável por 13% do financiamento do investimento, valor recorde na série iniciada em 2011.
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É verdade que empresas menores, que têm dificuldades para acessar o mercado de capitais e os recursos externos, encolheram seu endividamento. Há espaço, no entanto, para crescimento do crédito privado, como nas cooperativas de crédito e fintechs.
É melhor o BNDES focar nas privatização e em setores onde não há interesse do setor privado, mas cujo investimento beneficiaria a sociedade. É o caso da infraestrutura de setores pouco consolidados, como o saneamento. O banco ainda concorre com o mercado de capitais em muitos segmentos, como no Finem, o que implica alocação equivocada de recursos.
As matérias que saíram na imprensa sugerem também a necessidade de ajuste no foco das propostas do próximo time econômico. Fala-se em ampliar a capacidade do banco de antecipar a devolução de recursos ao Tesouro Nacional. Essa política tem sido bem encaminhada, com R$ 310 bilhões da dívida com a União devolvidos antecipadamente até o fim de 2018.
O tema é relevante à luz da regra constitucional que limita o espaço da União para emitir dívida pública, mas é assunto menor diante dos desafios do BNDES e, certamente, da necessidade de um ajuste estrutural para conter o crescimento das despesas do governo.
Fala-se também da tarefa de Joaquim Levy – que estará à frente da instituição – de contribuir na montagem de um plano de socorro aos Estados. Já houve em 2017 um plano de renegociação de dívida que incluiu empréstimos do banco e há grandes restrições para emprestar dinheiro novo. Além disso, a natureza da crise dos Estados é estrutural, associada aos gastos com a folha. Este precisa ser o foco do novo governo.
É possível que a agenda liberal de Paulo Guedes sofra desvios, dado o tamanho do desafio fiscal. O que não se pode é falhar na aprovação de uma reforma da Previdência que também busque uma solução da crise dos Estados, o que demandaria rever os regimes especiais de aposentadoria de professores e policiais. Não avançar nessas questões deixará a União ainda mais vulnerável à pressão dos Estados por recursos. Não faltam “pautas-bomba” no Congresso.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 15/11/2018
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