As primeiras consequências práticas da eleição de Jair Bolsonaro para a política externa brasileira ficam claras na reunião do grupo das 20 maiores economias do planeta, o G-20, em Buenos Aires.
Convidado por MIchel Temer a acompanhá-lo, Bolsonaro preferiu não ir. Em vez disso, recebeu em casa o assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, para um café-da-manhã que incluiu bananas, água de coco, danoninho e café servido em garrafa térmica.
Bolton convidou-o a visitar o presidente americano, Donald Trump. Em resposta, Bolsonaro afirmou que deverá fazer sua primeira viagem a países da América do Sul, entre eles provavelmente Paraguai, Argentina e Chile. É uma mudança em relação ao que anunciara anteriormente.
Depois de eleito, Bolsonaro disse que seus primeiros destinos fora do Brasil seriam Estados Unidos, Chile e Israel, escolha interpretada como pivô nas prioridades clássicas da política externa brasileira, refletindo as inclinações pessoais do novo presidente.
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Embora nada esteja confirmado ainda, o novo governo mantém a intenção de mudar a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém e de se aproximar do governo Trump. Filho de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro acaba de visitar os Estados Unidos, onde manteve contatos com autoridades do governo e posou para fotos trajando um boné da campanha de Trump em 2020.
A maior dúvida está na relação que Bolsonaro imprimirá ao Mercosul. A integração regional tem sido prioritária para o Brasil desde o final da dtadura militar, independentemente da cor ideológica do governante. Desde que Brasil e Argentina abriram mão de suas ambições nucleares, o Mercosul se tornou um objetivo estratégico, além de um dos principais destinos de nossas exportações.
Em seu primeiro contato com a imprensa depois da eleição, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, desdenhou uma pergunta sobre o assunto do jornal argentino Clarín. Mas a relação Brasil-Argentina não poderá ser desprezada pelo futuro governo.
Bolsonaro tem razão ao querer dar uma guinada na política terceiro-mundista dos governos petistas. Também em apontar o desvirtuamento do Mercosul, que passou a priorizar temas políticos e, ao aceitar a Venezuela chavista como integrante, desprezou a clásula democrática que está na sua origem e nos seus tratados.
Desde que Maurício Macri assumiu o governo argentino e Temer o brasileiro, contudo, houve uma reorientação do bloco para as questões comerciais. A negociação do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE), paralisada havia anos, saiu do limbo. Houve quem especulasse que o acordo sairia antes mesmo da posse de Bolsonaro.
Infelizmente será impossível, como declarou ontem o presidente da França, Emmanuel Macron, em Buenos Aires para a reunião do G-20. Macron e Macri jantaram com as respectivas mulheres numa churrascaria portenha. Pelo que consta, não havia danoninho no cardápio – apesar de a Danone ser francesa. Mas um dos temas certamente foi a expectativa diante do governo Bolsonaro.
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Macron afirmou que o acordo com a UE não sairá se Bolsonaro porventura decidir retirar o Brasil do Acordo de Paris sobre o clima. “Não sou a favor de que se assinem tratados comerciais com potências que não respeitem o acordo”, disse. “Tenho pedido a minhas empresas que se adaptem e não assinarei tratados com países que não o façam.”
Verdade que Bolsonaro já afirmou ter desistido de abandonar o Acordo de Paris. Mesmo assim, anunciou a desistência brasileira de abrigar a próxima reunião da ONU sobre o clima, a COP-25. O novo chanceler, Ernesto Araújo, vê as mudanças climáticas como um dogma imposto pelo “globalismo” e pelo “marxismo cultural”.
O recado de Macron não poderia ter sido mais claro. Se quiser mesmo exercer uma política externa fundada no interesse nacional e abrir mercados a produtos brasileiros, Bolsonaro precisa manter a disposição em rever suas posições e as de seu chanceler sobre o assunto.
Não há nada de errado em aproximar-se daqueles com quem há afinidade ideológica, nem em anúncios de efeito para agradar ao eleitorado fiel. Política externa, contudo, é feita de material mais denso.
A reunião do G-20 pode representar, como escrevi, o maior enfrentamento entre duas superpotências desde o final da Guerra Fria. Será que o Brasil deve tomar lado na disputa entre China e Estados Unidos, dois dos maiores destinos de nossas exportações?
Que Bolsonaro pretende fazer, diante das declarações de Macron, para ganhar acesso ao mercado europeu? Qual será nossa política externa para a Ásia, região que mais cresce no planeta?
Eis as questões reais de política externa que cairão por gravidade na mesa do novo presidente, ao lado da garrafa térmica, da banana e do danoninho. Não haverá como escondê-las nem evitá-las.
Fonte: “G1”, 30/11/2018