A apresentação do projeto de reforma da Previdência é uma necessária boa notícia para o governo, que vinha atravessando uma semana muito negativa. Quem sabe seja o ponto positivo que vira o jogo e permite navegar um mar menos bravio. Se até o início de quarta-feira discutíamos o significado do verbo “falar” para esclarecer se o presidente mentira ou não (eu adoro uma discussão filosófica, mas quando ela chega à política é um mal sinal…), isso se deve única e exclusivamente ao tumulto criado pelo próprio governo.
Notem que, até o momento, a oposição inexiste. O PT tem a segunda maior bancada mas, preso à ladainha interminável ao mártir que está preso e não deve sair tão cedo, condenou a si próprio à irrelevância. O PSOL monta o seu teatrinho de redes sociais habitual – só que ninguém liga – e os demais ainda não encontraram seu lugar. Tudo que surge contra o governo é, na prática, fruto dele mesmo.
O conteúdo dos áudios trocados entre Jair Bolsonaro e Bebianno em nada comprometem o presidente. Não trazem nenhum indício de crime ou de falta de ética, apenas mostram que Bolsonaro tem mesmo o temperamento que sempre soubemos que ele tinha. O único fator “escandaloso” é que sua existência contradiz o que o filho Carlos Bolsonaro dera a entender na semana anterior, que seu pai e o ministro não tinham se falado.
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Ao lavar sua roupa suja com Benianno no tanque público do Twitter, Carlos mostrou que coloca seu ego e seu projeto de poder pessoal acima do governo de seu próprio pai, que ele não hesita em desmoralizar. O pai, infelizmente, mais uma vez mostrando a falta de uma liderança forte (ao menos quando o filho está envolvido), chancelou a conduta do filho – se é que não a instigou. Seja como for, estamos reféns de intrigas pessoais dignas de uma corte absolutista, com o inconveniente de que o presidente não governa sozinho; precisa do Congresso e da sociedade, e o espetáculo lamentável desse Casos de Família presidencial não o ajuda em nenhuma dessas frentes.
O governo não tem uma base de apoio majoritária e até agora tem tratado a necessidade de negociação com o Congresso como indigno de sua atenção. A própria ideia de que a negociação de interesses faz parte da política é tratada como imoral pelo discurso que alçou Bolsonaro ao poder. Em resposta, o Congresso vem dando mostras de que pode se rebelar com muita facilidade. O decreto presidencial sobre sigilo de documentos foi derrubado de maneira acachapante pela Câmara. No Senado, a Comissão de Transparência aprovou o convite a Gustavo Bebianno para que venha falar à Casa.
Eu não vejo uma transferência direta dessas mostras simbólicas de rebeldia parlamentar para a votação da reforma da previdência. Esta conta com uma adesão mais ampla entre os parlamentares e já foi aceita como uma necessidade inescapável para que o Brasil possa ter algum futuro. Mesmo assim, nada impede que, cada parlamentar tentando cavar a sua exceção dentro da reforma, ela fique severamente debilitada. O filho do presidente, o senador Flavio Bolsonaro, já foi às redes sociais dizer que a reforma precisa de emendas como equiparar guardas municipais às mesmas regras de policiais.
Há um inegável déficit de articulação política, que só é aprofundado pelas trapalhadas como o caso Bebianno, uma semi-irrelevância transformada numa pequena crise pela ambição desenfreada de membros do governo e filhos do rei.
Será que alguma lição foi aprendida? No fim da tarde de ontem (quarta-feira), Bolsonaro se reuniu com o Ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que está às voltas com revelações incriminadoras do esquema de candidaturas laranja em Minas Gerais. A queda de um ministro sempre abala a confiança num governo, mas pode ser melhor do que manter alguém sobre quem pairam suspeitas tão fortes. É perfeitamente possível, portanto, que Álvaro Antônio caia. E se cair – vejam só! – será sem acusações feitas em pública, sem tentativas de humilhá-lo, sem exposição de áudios vergonhosos, sem necessidade de acusar e na sequência pedir desculpas. É assim que políticos adultos exoneram seus ministros.
A chegada da tão esperada reforma da previdência é um bom momento para o governo amadurecer. E isso significará não apenas deixar de lavar roupa suja em público, como também aprender a ouvir o Congresso para construir uma relação positiva. Sem ela, nenhum governo pode ser bem-sucedido.
Fonte: “Exame”, 21/02/2019