Estamos falando da aposentadoria americana e a crise não é a que o leitor pensou. Foi o que mostrou Andrew Biggs em 6 de fevereiro último, num depoimento ao comitê fiscal do Congresso americano. Biggs mostrou com muitos dados oficiais, do FED ao Escritório de Orçamentos do Congresso, que o sistema de aposentadoria americano não está em crise, mas existe sim, uma crise localizada. Os aposentados americanos nunca estiveram tão bem, até continuam poupando depois de aposentados, ajudam os filhos.
A aposentadoria dos americanos sempre foi baseada em fundos de pensão, portanto num sistema de capitalização voluntário, administrado por agentes privados. Com exceção dos funcionários públicos e dos militares. E de um “pilar social” para os que não conseguem poupar, por falta de emprego ou incapacidade.
Uma reforma do sistema, há 40 anos, tornou os americanos os maiores poupadores entre os países ocidentais. Hoje os ativos dos fundos de pensão atingem 150% do PIB contra 54% nos países ricos. A reforma tomou cuidado em não desincentivar a poupança da classe média, não elevando muito o pilar social. Criaram um sistema tributário que onde os poupadores em fundos de pensão não pagam ou diferem impostos. O sistema ficou mais baseado em fundos de contribuição definida.
Leia mais de Odemiro Fonseca
Previdência: uma narrativa positiva
Mudando as regras do jogo
A mãe das reformas
E o sistema entrou em um circulo virtuoso. Hoje os idosos americanos se aposentam com 94% da renda média americana, bem acima do ideal dos planejadores previdenciários, que é de 70%. A participação voluntaria em contas para aposentadoria cresceu de 5,8% dos salários para 8,7%, entre 1975 e 2015. A pobreza entre idosos caiu de forma dramática. Aposentados abaixo da linha de pobreza foram de 9,7% para 6,7% em 20 anos. Os preocupantes custos com saúde não estão erodindo a poupança dos idosos. O desembolso com saúde de 10% da renda de pessoas com mais de 65 anos tem se mantido constante apesar do grande aumento dos custos médicos nos EUA. Os aposentados são cada vez menos dependentes do “pilar social”.
Mas a real crise localizada do sistema americano é nossa velha conhecida. É o drástico subfinanciamento dos fundos de pensão do setor público. O FED estima o subfinanciamento dos fundos privados em US$ 750 bilhões (0,8% dos ativos ou 0,037% do PIB americano) e em US$ 26,1 trilhões o subfinanciamento dos fundos públicos (130% do PIB). As razões do subfinanciamento são as mesmas do deficit do setor publico no Brasil: abuso político, péssima administração, corrupção. Os resultados são desincentivos para poupar e privilégios.
Nós poderemos entrar também num circulo virtuoso com relação à nossa aposentadoria. Basta começarmos agora um sistema de aposentadoria baseado na capitalização individual, com administração privada. Começar com os que nunca contribuíram para sua aposentadoria, sejam jovens chegando ao mercado de trabalho, sejam mesmo os informais. Mas as cargas fiscal e dos custos transacionais da CLT precisam ser transferidas das costas desses novos trabalhadores para novas bases fiscais, trabalhadores agora contribuindo com 11% do que ganham para suas contas de aposentadoria.
E assim desaparecerão todos esses ruídos incessantes do nosso sistema atual de repartição, sobre quando se aposentar, tempo de contribuição, idades mínimas, diferenças entre sexos e entre profissões, toda essa conversa doida sobre escolhas políticas. As escolhas dos idosos se tornarão muito mais individuais, dentro de parâmetros razoáveis. As pessoas chegam à velhice em situações financeiras e interesses pessoais muito diferentes. Escolhas se tornarão sofisticadas, como escolher o padrão de vida pós aposentadoria, escolher um seguro que garanta mensalidades até a morte. Ou escolher comprar uma casa ótima num condomínio com muitos serviços para idosos, por um oitavo de seu valor, pois tal condomínio só poderá ser usufruído até a morte. Ou manter seu fundo de pensão rendendo parcialmente depois de aposentado e deixar os recursos para a educação dos netos. Ou se divertir na Disney World.
Hoje, milhões de aposentados americanos e de outros países com sistemas de aposentadoria virtuosos, escolhem se divertir na Disney World. Depende de nossa liderança política de hoje permitir que nossos aposentados daqui uns 30 anos também tenham tal opção.