A realidade política finalmente entrou em campo na negociação da reforma da Previdência. O presidente Jair Bolsonaro, ao mesmo tempo em que prometeu usar sua influência nas redes sociais para explicar a reforma e defende-la, abriu as portas para as mudanças que os parlamentares fizerem: “a reforma boa é a de vocês”, repetiu.
Mas a dose de transigência parece ter sido alta demais, e ontem o se viu ministros e líderes governistas correndo para apagar o fogo. A palavra de ordem foi admitir mudanças, desde que a economia de 1 trilhão de reais prevista para 10 anos pelo ministro da Economia Paulo Guedes seja mantida.
Ele próprio conversou com os presidentes da Câmara e do Senado para reafirmar a disposição de negociar hoje, mas mantida o que o chefe do Gabinete Civil, Ônix Lorenzoni chamou de a “cláusula pétrea” da reforma.
O governo Bolsonaro parece estar se curvando a esta realidade. Como advertira o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, Bolsonaro estava refém da campanha eleitoral e constrangido pela própria criminalização da política, para aceitar uma negociação no Congresso que viabilize a aprovação da emenda constitucional da Previdência.
O cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas do Rio, no programa Entre Aspas de Monica Waldvogel na Globonews, deu uma institucionalizada nas negociações do Congresso, lembrando que em qualquer país do mundo o governo tem que ceder para obter a maioria no Congresso, sem o que não se governa.
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O governo Jair Bolsonaro começou bem a montagem do ministério – sem que essa afirmação represente uma análise da qualidade dos ministros – ao não delegar aos partidos políticos a escolha, e seguir seus próprios critérios. Mas a radicalização das posições partidárias travou uma relação que poderia se dar de outra maneira que não a fisiológica, que prevaleceu no nosso presidencialismo de coalizão.
Apoios partidários a programas e projetos, como agora no caso da reforma da Previdência, deveriam fazer parte do cotidiano dos governos, especialmente em um sistema partidário tão fragmentado quanto o nosso. Ele cita o governo de Fernando Henrique como o que melhor se comportou nessa relação com o Congresso, e admite que a situação se deteriorou nos governos petistas, diante da evidência de corrupção generalizada na relação com o Legislativo.
Mas considera perfeitamente aceitável a troca de nomeações para cargos e aprovação de emendas parlamentares por apoio parlamentar. O que não pode acontecer, como vinha se tornando praxe, são nomeações de pessoas desqualificadas para os cargos técnicos a serem preenchidos, avaliou no mesmo programa o empresario Eduardo Mofarrej, líder do movimento RenovaBR, que prepara novas lideranças políticas no paîs.
Este governo tem alguns exemplos de como uma seleção criteriosa pode evitar nomeações pelo critério puramente político ou pessoal. Um amigo do presidente Bolsonaro foi vetado na Petrobras por não preencher as qualidades exigidas pelo cargo.
Mas, como toda transição é penosa, ainda há nomeações na cota pessoal de governistas, e do próprio presidente. O ambiente econômico, porem, parece ajudar uma negociação dentro de parâmetros civilizados, pois há um consenso de que a reforma da Previdência é inevitável. E também sobre os pontos a serem alterados na proposta de governo.
As alterações do Congresso na proposta da nova Previdência sobre aposentadoria rural e benefício de prestação continuada a idosos parecem inevitáveis. São alterações, sem dúvida, que corrigem distorções no sistema previdenciário, mas, do ponto de vista social, não podem ser as prioridades. Enquanto não se acabar realmente com os privilégios dos mais favorecidos, é difícil defender o corte de “privilégios” dos mais necessitados.
A maior batalha, e esta sim afeta o centro da reforma da Previdência, será a negociação sobre o período de transição das novas medidas. Há quem queira aumentá-lo de dez para quinze anos, e essa mudança afetaria gravemente o resultado final da reforma.
Será preciso fazer muita conta, e estabelecer as prioridades, para que a reforma de Bolsonaro não seja tão desidratada quanto a de Temer. O Congresso não pode usar seu poder para obstruir uma reforma tão fundamental para o país, sem oferecer sua quota de sacrifícios.
A perda momentânea de popularidade é uma ameaça a quem vive de votos, inclusive o próprio Bolsonaro, mas precisam estar convencidos de que, a médio prazo, a reforma ajudará a retomada da economia brasileira.
Fonte: “O Globo”, 28/02/2019