O governo de apenas quatro meses de Jair Bolsonaro é um poço de intrigas. Há as brigas entre os olavetes e os não olavetes. Há as brigas entre os filhos que controlam e descontrolam os meios de comunicação do pai e os militares. Há as brigas entre o filósofo presidencial e os generais. Há as brigas entre o presidente da República e o prefeito de Nova York, essa quiçá a mais surreal. Tão surreal que dia desses acabei cantarolando o refrão de música antiga de Lulu Santos, “não vá para Nova York amor, não vá”. Em meio à balbúrdia do governo Bolsonaro – afinal, cada governo tem a sua palavra, seu mot juste – a realidade vem se impondo de forma dramática.
Desde dezembro do ano passado, a inflação subiu quase um ponto porcentual – passando de 3,8% para 4,6% agora. O número em si não chega a assustar, sobretudo porque está dentro da meta do Banco Central. Contudo, a alta súbita da inflação em uma economia que ainda não dá sinais de ter saído do lugar e que pode até ter encolhido um pouco no primeiro trimestre do ano, é preocupante . No entanto, sabemos que a produção industrial encolheu nos primeiros três meses do ano e que outros indicadores econômicos deram claros os sinais de fragilidade. A taxa de desemprego continuou a subir nesse início de 2019, alcançando 12,7 %, o que significa 13,5 milhões de desempregados.
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Para complicar a situação para lá de vulnerável do Brasil, a economia mundial não está ajudando muito, como alertara o FMI. Os mais recentes indícios de que a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos não deve acabar tão cedo está tirando fôlego dos cenários de crescimento global ainda que a economia norte-americana continue a apresentar bons números para o crescimento e para o mercado de trabalho. Curiosidade que poucos sabem é que os economistas têm muitas dificuldades para traduzir a guerra comercial em números concretos que mostrem o impacto sobre o crescimento global. Isso porque os modelos matemáticos e estatísticos de projeção para medir o impacto de tarifas e retaliações sobre o comércio internacional, sobre os empregos, e o impacto em setores específicos de diferentes países não são compatíveis com os modelos matemáticos e estatísticos usados por macroeconomistas para produzir projeções para o crescimento global. O que isso significa é que sabemos que a guerra comercial não é boa para ninguém. Porém, não sabemos quantificar a magnitude do quão perversa ela pode ser para o mundo e para países específicos.
No caso brasileiro, alguns setores se beneficiaram da conflagração – a China andou comprando mais grãos, mais soja de nós nos últimos meses, e isso nos ajuda. Não nos ajuda de forma permanente, mas qualquer mãozinha é bem-vinda nesse momento tão complicado. O problema é que o Brasil, embora seja um exportador de peso de soja e outros grãos, não é parrudo o suficiente no mercado internacional para determinar o preço dessas exportações. Ultimamente, como resultado de uma série de fatores, os preços dos grãos e da soja têm caído nos mercados internacionais. Isso significa que podemos até exportar mais em volume, mas o valor do que exportamos não tem aumentado tanto assim. Portanto, nem temporariamente se pode afirmar que a guerra comercial tenha sido um maná de Trump e Xi.
Tenho escrito nesse espaço que a reforma da Previdência tampouco será a bala de prata para destravar o investimento no Brasil. Embora haja investidores estrangeiros que estejam à espera da reforma para voltar a destinar recursos para o País, a verdade é que a guerra comercial e a possibilidade de que continue já que, antes de tudo, trata-se de um tema importante para a campanha de Trump nas eleições de 2020, aumenta as incertezas e deixa todos ressabiados. Além, é claro, da reforma em si não ser suficiente para resolver de uma tacada só todos os problemas que hoje impedem o Brasil de crescer, muitos dos quais são estruturais e levam anos para serem adequadamente solucionados. A baixa produtividade da mão de obra, por exemplo, resulta de vários problemas, dentre eles a má qualidade da educação no País. Claramente, não estamos encaminhando as questões relativas à educação de forma adequada.
Dizia no início desse artigo que cada governo tem a sua palavra. A palavra do governo Dilma foi “estarrecida” ou “estarrecido”. Pelo visto o governo Bolsonaro acabará nos trazendo combinação de palavras. Ficaremos todos estarrecidos com a balbúrdia enquanto a economia padece no vácuo.
Fonte: “Estadão”, 08/05/2019