A imprevidência no caso da questão previdenciária dos professores poderá imobilizar o financiamento da educação nas três próximas décadas e tornar inviável a possibilidade criar carreiras capazes de atrair jovens com o perfil necessário para promover o necessário salto de qualidade. A janela de oportunidade que se abriu pode converter-se em janela de calabouço. A chance é única. As grandes decisões estão nas mãos do Ministério da Economia e do Congresso Nacional. Caberá a eles dizer se a educação continuará a ser tratada com base no corporativismo ou como vetor para a formação de capital humano. Vamos aos fatos.
Hoje temos no Brasil cerca de 42,3 milhões de brasileiros entre 4 e 17 anos, faixa de idade para o ensino obrigatório. Desse total, 15% estudam em escolas privadas. Resta um contingente de 35,94 milhões de alunos no setor público. Se considerarmos uma média de 25 alunos por classe, teremos a necessidade de 1.437.680 turmas – hoje temos aproximadamente 1,42 milhão de turmas. Portanto, estamos próximos da realidade. Para atender essa população temos um total de 2,1 milhões de professores, dos quais cerca de 1,2 milhão são efetivos. Aproximadamente 600 mil docentes trabalham em mais de um turno. Assim, temos um total de 2,8 milhões de contratos para 1,4 milhão de turmas, ou seja, um professor contratado para cada duas turmas.
Nos próximos 12 anos a população escolar vai se reduzir sensivelmente. Em 2030 teremos uma demanda de aproximadamente 37,6 milhões de alunos da pré-escola ao ensino médio. Mantendo constante a matrícula do ensino privado, a demanda pela escola pública cairia para 83% desse total, ou seja, cerca de 31,3 milhões de alunos, que poderão ser atendidos em 1,254 milhão de turmas. A demanda será inferior à atual e poderia ser facilmente suprida pelo contingente de professores efetivos já existentes, trabalhando em um único turno.
Consideremos agora a questão previdenciária. Do total de 1,2 milhão de professores efetivos, cerca de 60% poderão aposentar-se nos próximos 15 anos – dependendo do que dispuser a lei. Em média, essas pessoas terão mais 25 a 30 anos de vida. Grosso modo, podemos prever que o contingente de professores aposentados, nos próximos 30 anos, será de aproximadamente 1 milhão – quase o mesmo total de professores ativos necessários para atender plenamente à demanda.
Onde está o problema? E onde está a oportunidade?
O problema é a conta da Previdência: a maioria dos Estados e municípios não dispõe de sistemas previdenciários minimamente adequados. A folha de pagamentos dos professores hoje é de aproximadamente R$ 175 bilhões – 70% dos gastos de Estados e municípios com educação. Nas próximas três décadas o custo da folha dos aposentados não será inferior a R$ 100 bilhões por ano e pelas regras atuais crescerá na mesma proporção da folha dos ativos. Só que não há Fundeb para pagar essa conta. Esse valor de R$ 100 bilhões representa 1,5% do produto interno bruto (PIB). Se esse raciocínio valer para outros grupos, o PIB nacional seria distribuído para 30% da população, ficando o restante com nenhum real. A conta ainda poderá ficar mais salgada se, neste momento de transição demográfica, o Ministério Público continuar a insistir na efetivação dos professores temporários, contrariando o princípio da razoabilidade e ignorando a realidade demográfica.
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Vejamos agora a janela de oportunidade. No agregado, hoje temos um número suficiente de professores. Se, em média, eles trabalham 30 anos, precisaremos de pouco mais de 30 mil professores por ano. No curto prazo, isso poderia ser suprido se apenas 30% dos professores dobrassem sua carga horária, o que já corresponde à realidade. Portanto, nem no curto nem no médio prazo existe uma carência gigantesca de professores no nível agregado.
Por outro lado, as políticas em vigor andam na contramão da eficiência. Como vimos anteriormente, temos dois professores para cada turno de aulas – o ideal seria algo próximo a um. Portanto, hoje já gastamos o dobro do necessário ou, visto de outra forma, poderíamos dobrar o salário dos professores se fôssemos 100% eficientes. Ao mesmo tempo, temos mil cursos de pedagogia e licenciatura com 1,5 milhão de alunos matriculados e aproximadamente 240 mil alunos concluintes por ano sem nenhuma perspectiva de emprego.
A oportunidade, portanto, é clara. As próximas gerações terão mais chance de acesso a uma educação pública de qualidade se os professores tiverem um regime previdenciário semelhante ao dos demais contribuintes. Finalmente, a reforma também deveria criar espaço para equacionar o déficit previdenciário de Estados e municípios.
Se o Ministério da Economia fizer o dever de casa e os deputados votarem a favor das crianças que estão nascendo e vão nascer, surgirá a oportunidade de redefinir as carreiras e a formação docente. Considerando as distorções de fluxo escolar e a redução demográfica, no curto prazo seria essencial poder contar com o mecanismo das contratações provisórias. Para o médio e o longo prazos, duas medidas adicionais poderiam contribuir para tornar viáveis saídas virtuosas para o atual círculo vicioso: a instituição de carreiras semipermanentes para o magistério e a mudança nas condições de acesso ao magistério. Um estudo da OCDE mostra que nos 19 países de melhor desempenho educacional há poucos pontos em comum no que diz respeito à carreira dos docentes. Mas dois deles se destacam: os professores são recrutados entre os 30% melhores alunos do ensino médio e os sistemas de formação são totalmente diferentes. Ou seja, o mais urgente é mudar o perfil de recrutamento.
O futuro do capital humano do País está na educação. E o futuro da educação está nas mãos dos responsáveis pela reforma da Previdência e pela negociação das dívidas dos Estados e municípios.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 24/03/2019