Em meio ao ceticismo em relação ao futuro do Brasil, como se o País estivesse fadado a dar errado, vale lembrar que as crenças e os valores de uma sociedade são mutantes. Crises profundas podem ser gatilhos para mudanças, como defendem Marcus Melo e Carlos Pereira.
Um exemplo é o valor que hoje a sociedade dá à inflação controlada, depois de mais de uma década de inflação fora de controle. Nossos jovens, que não testemunharam o pré-Plano Real, foram às ruas em 2013 protestar contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo e, sem saber, protestavam contra a inflação elevada. Não é coincidência que, naquele junho, a inflação de alimentos atingiu 15% na variação anual. A ex-presidente Dilma não durou muito produzindo inflação elevada. Sinal de um país que amadureceu.
Nessa linha, será que a crise fiscal que o País vive, possivelmente a mais séria da história, será capaz de transformar a sociedade brasileira, no sentido de passar a dar a devida importância para o equilíbrio fiscal? Quanto precisa piorar para melhorar?
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Resistência não falta. Muitos grupos, geralmente de esquerda, ainda insistem que o governo deveria flexibilizar a política fiscal para estimular a economia. Parecem não compreender que quando um país caminha para uma situação de insolvência, como o Brasil, o espaço para estímulo fiscal é mínimo, sendo necessário, na verdade, cortar gastos. Insistir na estratégia expansionista seria contraproducente, produzindo menos e não mais crescimento. Há evidências de que este era o quadro no fim do governo Dilma, como apontado por Tatiana Pinheiro. Também não compreendem que o orçamento é muito engessado, com despesas obrigatórias consumindo quase todo o Orçamento federal. Um aumento de gastos geraria aumento do déficit público, pois, sem reformas, não haveria espaço para compensar com cortes em outras áreas.
Além disso, o caminho para a sociedade rejeitar o desequilíbrio fiscal, assim como o faz com a inflação elevada, não é óbvio. Afinal, enquanto a inflação é diretamente sentida, o desequilíbrio fiscal se manifesta indiretamente na vida das pessoas, como na insuficiente oferta de serviços públicos de qualidade.
É essencial, portanto, que a classe política e as lideranças do setor privado compreendam a importância do ajuste estrutural. Quanto maior o amadurecimento do País, menor a crise fiscal necessária para destravar o ajuste. Este viria por convicção, buscando-se evitar o pior, e não por total falta de opção, que custaria muito para a sociedade.
Não se trata apenas de cumprir as regras constitucionais – regra de ouro e regra do teto – que disciplinam o Orçamento. Mesmo sem elas, o ajuste fiscal seria necessário.
O colapso dos serviços públicos, que penaliza os mais pobres e eleva o custo Brasil, está cada vez mais claro. Também pululam notícias sobre privilégios da elite do funcionalismo, que reage de forma inaceitável com paralisações e promessas de greves ao verem as benesses ameaçadas.
Nesse contexto, a concorrência na política contribui para empurrar a agenda de ajuste fiscal. Iniciada pelo governo federal, a agenda tende a ganhar ímpeto em 2019. Início de mandato é o momento ideal para reformas, de forma a se ter tempo para colher os frutos do esforço feito.
Do lado empresarial, ainda há muita incompreensão de que o modelo de Estado indutor do crescimento não funcionou e que os recursos públicos acabaram. Esforços são necessários e escolhas precisam ser feitas. O desejado estímulo à inovação e ao empreendedorismo, por exemplo, concorre com recursos de programas como o Rota 2030 e a desoneração da folha, para citar as medidas em discussão atualmente.
Estamos diante do desafio inédito de desafiar o Estado patrimonialista. É possível que estejamos melhor posicionados para isso do que no passado. Mas a tarefa é árdua e virá da política.
O próximo presidente precisa trazer esperança, como ensina Eduardo Giannetti. Mas sem ajuste fiscal isso não será possível.
Fonte: “Estadão”, 01/03/2018