Um Estado mais enxuto, eficiente e que não atrapalhe o setor privado foram promessas de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral e compromissos reafirmados no discurso de posse. O novo presidente teve o mérito de captar esse anseio de parcela importante da sociedade, depois do fracasso da agenda intervencionista do PT, e incorporar o tema ao discurso político.
No entanto, ainda que sejam tempos de promessas de transformações, a agenda liberal defendida representa a continuidade da política econômica iniciada nos anos 1990 e resgatada pelo governo de Michel Temer. Houve a reorientação da política econômica e a aprovação de reformas estruturais de cunho liberal, como anunciado no documento “Ponte para o Futuro”, de 2015. O velho receituário petista, responsável pela crise econômica sem precedentes, foi colocado de escanteio.
Muito antes disso, Fernando Collor inaugurou o discurso liberal. Seu discurso de posse, relatado no recente livro do jornalista e ex-ministro Thomas Traumann, parece escrito sob medida para o novo presidente: “O Estado não é um produtor, mas um promotor do bem-estar coletivo. A proposta de modernização econômica pela privatização e abertura é a esperança de completar a liberdade política, reconquistada com a transição democrática, com a mais ampla e efetiva liberdade econômica. A privatização deve ser completada por regramento da atividade econômica. O Brasil estará aberto ao mundo”.
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Com FHC, o programa social-democrata caminhou lado a lado com políticas públicas de orientação liberal, como no estabelecimento do tripé macroeconômico e na continuidade do programa de privatizações. O discurso político, porém, era outro. Em um país que recusava o estado enxuto e onde o termo “neoliberal” era um insulto utilizado para atacar o presidente, FHC dava ênfase a outros aspectos do seu governo, e não à sua face liberal.
Não foi diferente no primeiro mandato de Lula. Um governo ortodoxo e com reformas liberais, mas com discurso de esquerda. Ironicamente, seu principal programa social, o bolsa família, foi inicialmente acusado de liberal pela esquerda. O que parecia ruptura com FHC era, na realidade, continuidade. A diferença estava mais no discurso do que na prática.
O retrocesso ocorreu no segundo mandato de Lula, com o maior intervencionismo estatal, depois aprofundado por Dilma. Um desvio que custou caro.
Depois de tamanho fracasso, ficou mais fácil defender o resgate da agenda liberal. O que realmente distingue Bolsonaro, além da agenda de costumes e de segurança, é o distanciamento da social-democracia, ao não defender políticas públicas para a promoção da igualdade de oportunidades.
As expectativas são elevadas e a missão do novo governo será preservar o ambiente macroeconômico estável, que dependerá do ajuste fiscal, e promover ganhos de produtividade com reformas estruturais. A retomada do crescimento, com a paulatina remoção de distorções e entraves que prejudicam a economia, poderá ser o Plano Real de Bolsonaro.
A entrega será, certamente, mais complexa do que as vagas promessas de campanha. Exige diagnósticos corretos, conhecimento técnico e das leis, além de habilidade política. Problemas que parecem de fácil solução, como reduzir a burocracia, esbarram em regras que regem o setor público e nos interesses de grupos privados que se beneficiam das políticas vigentes. Outro cuidado é que as mudanças de regras precisam contemplar um período de transição para a adaptação do setor privado.
Será também necessário ampliar a discussão da agenda liberal, incluindo temas consolidados na literatura econômica que não têm sido devidamente abordados pelo novo time. Não é só de venda de ativos e abertura da economia que vive a agenda liberal. Precisamos avançar em temas como capital humano, insegurança jurídica e ambiente de negócios.
A urgência das reformas em um país que envelhece aumenta o desafio do novo presidente. O ano de 2019 será decisivo para afastar o cenário de mais uma década perdida.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 03/01/2019
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