Não chorei assistindo a “Democracia em Vertigem”. Senti pena por todos os que compram a fantasia ali vendida. A voz lamuriosa da narradora dá a medida de sua impotência perante a ascensão da direita. A história trágica do Lula-herói que foi obrigado a ceder a práticas corruptas da velha política para levar adiante um projeto inclusivo de país, sendo impedido por uma mutreta da malvada elite, simplesmente não cola. E enquanto a esquerda insistir nela seguirá incapaz de se reinventar.
O PT não era um partido puro que, uma vez no poder, se deixou corromper para ter alguma governabilidade. Já nos anos 1990 o partido comandava o esquema de propina de empresas de transporte no ABC Paulista, numa relação entre políticos e empresários em tudo igual ao que tantos outros partidos fazem Brasil afora. Em seus anos no poder, o PT elevou esses esquemas de propina à escala internacional. Trouxe uma nova ordem de grandeza e profissionalismo ao que já era prática corrente. Nisso, o discurso ideológico radical foi uma ferramenta perfeita, capaz de cegar militantes e apoiadores (como Petra Costa, que dirige o filme).
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Há duas possibilidades de “leitura” dos abusos da Operação Lava Jato, que pôs fim ao esquema: uma é a de que se direcionaram contra a classe política como um todo, passando por cima de regras e garantias legais para prender poderosos e alimentar a vaidade (e, quem sabe, a ambição política) de juízes e procuradores que se veem como heróis numa missão divina. A outra é que a Lava Jato é um projeto político da direita para extirpar a esquerda do poder. Essa segunda visão, obrigatória nos meios petistas, não é ajudada pelo fato de que cada um daqueles que antes era apontado como o grande beneficiário da operação (Aécio, Cunha, Temer, o PSDB) foi, por sua vez, também alvo de investigações e até prisão.
Para defender essa segunda versão, é necessário acreditar que o governo Dilma de fato trabalhava pelos pobres, enquanto a oposição defendia o interesse dos ricos. Assim, é imperdoável discutir os anos PT e a queda do governo Dilma sem olhar de frente sua política econômica.
Crédito subsidiado, proteção estatal e isenção fiscal a grandes empresas. Políticas sociais midiáticas mas de pouco efeito prático, como o Ciência Sem Fronteiras e a expansão descontrolada do Fies, que também serviu para engordar o caixa de empresários. Gastos públicos fora de controle, gerando déficits crescentes (em resposta aos quais vieram as pedaladas). Aposta no consumo e na redução dos juros na marra, ao mesmo tempo em que negligenciou o investimento de longo prazo em educação, infraestrutura, produtividade e a necessidade de melhorar o ambiente econômico. O resultado foi a maior crise econômica da nossa história, chegando a 13 milhões de desempregados.
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O PT não foi o inventor da corrupção nem é o único mal do país. Teve erros e também acertos (o Bolsa Família, o Mais Médicos). No entanto, não entender como seus desvios éticos e econômicos ajudaram a produzir a crise econômica e política, e a reação popular a ela, é escolher o conforto impotente da fantasia.
Bancos e Fiesp deitaram e rolaram nos anos Dilma. O amor só acabou quando a fonte secou. Corrupção, fraude contábil e recessão foram a receita perfeita para a derrota não apenas nos tribunais, mas também nas urnas. Dilma não conseguiu nem sequer se eleger senadora. Enquanto a esquerda fingir que foi golpeada pela elite, será incapaz de conquistar o povo.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 25/06/2019