“As posições de todos os integrantes (da reunião) foram colocadas na mesa. Nem sempre congruentes, mas ao final a decisão tomada foi compartilhada”. Assim o porta-voz do Palácio do Planalto, general Rêgo Barros, me confirmou a informação, publicada na coluna “Painel” da “Folha de S.Paulo”, de que o presidente Jair Bolsonaro consultou os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo Tribunal Federal, Dias Tofolli, antes de confirmar a participação do Brasil no envio de ajuda humanitária à fronteira com a Venezuela.
O melhor é que as opiniões “nem sempre foram congruentes”, o que indica que o voluntarismo não teve lugar nessa discussão. O grande temor era de que Bolsonaro, tendo entrado em confronto pessoal e público com o ditador Nicolás Maduro, inclusive com ofensas de lado a lado, pudesse se deixar dominar pela paixão. Ao contrário, tomou uma decisão debatida amplamente.
O deputado Rodrigo Maia e os generais Santos Cruz, da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), temiam que uma participação do Brasil em tal tipo de “ação humanitária” pudesse ser interpretada como se o país estivesse endossando uma ação dos Estados Unidos no conflito venezuelano.
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Uma questão pessoal
A participação brasileira teve o apoio apenas de um dos ministros militares, o da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, mas também dos presidentes do Supremo e do Senado, além do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
O presidente Bolsonaro tratou de tranquilizar os que estavam contra a medida, garantindo que tropas brasileiras não entrariam em território venezuelano para entregar os mantimentos, e nem as dos Estados Unidos seriam autorizadas por ele a entrar na Venezuela pela fronteira brasileira, caso eventualmente o conflito se agrave.
As análises do Itamaraty e dos órgãos de informação do governo indicam que dificilmente Maduro teria condições de impedir a entrada desses mantimentos, e politicamente foi considerada uma vitória dos apoiadores do presidente interino a confirmação da chegada deles nas fronteiras tanto de Brasil quanto da Colômbia, tendo entrado na Venezuela.
O próprio Juan Guaidó anunciou em sua conta no Twitter os dois fatos, comemorando a passagem do caminhão brasileiro entregue na fronteira, e denunciando que o da fronteira da Colômbia estava enfrentando resistência armada da Guarda Nacional.
O clima de “guerra fria” revivido pela crise venezuelana, colocando o Brasil entre os Estados Unidos e China e Rússia, que dão apoio a Maduro, é o que preocupa setores das Forças Armadas e está por trás da resistência dos ministros militares brasileiros de participar da “ajuda humanitária” organizada pelos Estados Unidos.
O próprio ministro da Defesa, que foi a favor da ação, deu entrevistas ontem afirmando que não há a menor possibilidade de haver confrontos na fronteira com a Venezuela. Há, no meio militar, quem considere que o Brasil está fragilizado em sua liderança de fato na região, deixando que a crise trouxesse para cá disputas como essa.
Hoje haverá outra reunião, desta vez no Palácio da Alvorada, de avaliação da situação para que o vice-presidente Hamilton Mourão, outro militar que apoiou a ajuda humanitária, leve à reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, a posição brasileira, que deve ser reiterada no sentido de apoiar uma solução negociada.
O Grupo de Lima reúne 14 países das Américas (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia) com o objetivo de tratar da crise na Venezuela. Além dos Estados Unidos, que fazem parte como observador e mandarão o vice-presidente Mike Pence.
Um confronto que saísse da retórica levaria o Brasil a ter que tomar posição, uma situação desastrosa geopoliticamente, na região onde somos hegemônicos e deveríamos impor nossa liderança através da negociação, em vez de bravatas bélicas.
Que, aliás, seriam extemporâneas, pois o país, devido à crise econômica aguda que nos levou a anos de recessão e atraso tecnológico, não dispõe de condições de poder econômico e militar. Uma ação mais agressiva exigiria de nós esforço excessivo para mantermos nossa liderança natural, que seria confrontada.
Fonte: “O Globo”, 24/02/2019