Agosto de 1998 é lembrado como o início da crise da Rússia. Foi quando o país eslavo desvalorizou a moeda e declarou moratória, aumentando a aversão ao risco nos mercados internacionais e chamando a atenção dos investidores para a fragilidade financeira do Brasil. Foi um ponto de inflexão na economia brasileira.
Naquele mês, o que tinha sido um remédio por três anos para a economia do Brasil se transformou em veneno amargo. Em apenas cinco meses a dívida pública aumentou 13% do produto interno bruto (PIB), o desemprego cresceu, a inadimplência subiu e as vendas da indústria despencaram. Os indicadores de que a política cambial era insustentável eram apontados por analistas na imprensa. Mesmo assim, o governo defendeu a atuação do Banco Central (BC) e a demora em reagir custou ao Tesouro Nacional mais de R$ 100 bilhões em benefício de investidores no mercado financeiro.
O regime cambial havia sido implantado no início de 1995. Naquele momento, a incerteza cambial, o risco País e a memória inflacionária eram altos e as reservas internacionais encolhiam. Para superar a fragilidade macroeconômica o Banco Central mudou a política e começou a atuar no mercado de câmbio, operando numa banda estreita, e no monetário, com uma taxa de juros líquida que era a soma do risco País e da desvalorização.
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Funcionou bem nos primeiros três anos e contribuiu para a consolidação da nova moeda. Nesse período, o PIB aumentou 10%, a inflação despencou, os juros básicos caíram e o crédito se expandiu 39%. Foi um sucesso. Mas se esgotara. Já ao final de 1997 havia indicadores de que era necessário mudar o regime e começaram a aparecer alertas de que era um nonsense macroeconômico. Porém a reação tardou, só veio no início de 1999 e custou caro ao Brasil.
Agosto de 2018 tem paralelos surpreendentes com o acontecido no final do século passado. O risco País está aumentando, há uma pressão cambial forte, o crescimento está anêmico e o mais preocupante é que o regime cambial se apresenta inadequado, tanto por sua eficácia como pelos riscos embutidos.
A atuação do Banco Central é basicamente a mesma há dez anos. Seu desempenho é fraco e a incerteza cambial, alta. Só isso justificaria ajustes. Mas, mais grave, é arriscado não fazer. O Brasil pode ter problemas mesmo tendo um equilíbrio externo confortável. O déficit em conta corrente é o menor em uma década. Mesmo assim, as cotações do dólar refletem uma agitação alta, que se pode propagar aos preços e juros e acelerar o crescimento da relação dívida-PIB, que é a maior vulnerabilidade da economia brasileira.
Para controlar o câmbio o BC opera em duas frentes. Uma é mantendo o estoque de reservas em patamar alto, sinalizando solvência do País, e outra, atuando no mercado de swaps cambiais. São contratos liquidados em reais, portanto, mantendo as reservas intactas. Os impactos na dívida pública são neutros quando bem-sucedidos e perigosos se falharem. Num estresse, em que o câmbio fique num patamar elevado por período prolongado, pode fazer a dívida pública disparar.
As corporações não financeiras também operam com swaps para se protegerem de oscilações cambiais, pois não há a permissão de ter contas em divisas nos bancos brasileiros no Brasil, só no exterior. É oneroso para as empresas que não têm acesso a um hedge em moeda no País.
A prescrição é uma política cambial mais sensata, fazendo dois ajustes. Um é permitir contas em divisas para empresas e cidadãos no Brasil. A medida não vai dolarizar a economia e reduziria o custo de proteção cambial das empresas, pois poderiam fazer o hedge com custos financeiros menores.
Há mais vantagens. Uma é a atração de parte dos recursos de empresas e cidadãos brasileiros depositados no exterior para proteção cambial. Muitas das operações no mercado futuro também migrariam para contas em bancos aqui. Dessa forma o custo de carregar reservas seria desses depositantes, e não do Tesouro Nacional. Diminuiria a dívida bruta do setor público. Note-se que as reservas são responsáveis por 23% do endividamento total do governo.
O outro benefício é que contribuiria para diminuir a volatilidade cambial, uma vez que o ajuste seria na compra e venda de divisas no mercado bancário, e não no futuro. A proibição de contas no País é anacrônica, de 1933, época em que a falta de divisas era crônica. A caduquice da norma ainda onera o setor produtivo. Note-se que é permitido ter uma conta em bitcoins e outras criptomoedas no Brasil, mas não em bancos.
Outra medida é mudar a atuação do Banco Central. Passaria a atuar apenas no mercado à vista, fixando limites de oscilação diários da divisa norte-americana para arrefecer sua volatilidade. Num mesmo dia, compraria e venderia dólares num intervalo de, digamos, dois centavos para cima e dois para baixo, usando reservas. O câmbio continuaria flutuante, mas a volatilidade diminuiria consideravelmente. Sinalizar que o volume de reservas pode variar daria mais flexibilidade para a atuação do BC.
Usando o mercado à vista, operaria com custos menores, reduziria as incertezas associadas à trajetória do câmbio, diminuiria a hipertrofia do mercado futuro e induziria um estreitamento de margens nas operações com divisas. Como atuaria comprando e vendendo, não alteraria de maneira significativa o estoque de reservas e indicaria que podem variar nos dois sentidos. O volume atual é muito acima do necessário para sinalizar a solvência do País. Uma redução e a transferência de parte do custo do carregamento para depositantes diminuiriam a dívida pública.
As medidas propostas dependem apenas do Banco Central e podem fazer uma grande diferença em pouco tempo. Lembrando que a incerteza e a volatilidade do dólar só beneficiam alguns investidores, muitos deles estrangeiros, em detrimento de todo o resto da sociedade.
Fonte: “Estadão”, 30/08/2018