O Brasil parece um exemplo perfeito do que os papas da chamada “economia comportamental”, a última moda na disciplina, designaram como “falácia do planejamento”, uma patologia que consiste em adotar um viés excessivamente otimista para quaisquer tarefas futuras, que sempre resultam mais demoradas e custosas que o previsto. Como se sempre olhássemos para o melhor cenário e nunca para a realidade, e não necessariamente por malandragem.
Nosso estranho otimismo talvez explique as razões de ocuparmos posições “europeias” em rankings internacionais de felicidade (chegamos a ser o primeiro em mais de uma centena de países em “felicidade daqui a cinco anos” entre 2006 e 2015, segundo o Instituto Gallup), a despeito de posições muito piores no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, 79.ª posição em 2018) ou dos índices de competitividade ou de facilidade de fazer negócios, como bem sabemos.
Talvez, por isso mesmo, as leituras mais recentes revelando sinais de anemia no PIB brasileiro, e no crescimento do emprego, tenham sido recebidas com uma enorme dose de melancolia. Como se os exames estivessem trazendo indícios de uma doença muito mais séria do que pensávamos ter.
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O IBC-Br, indicador de atividade econômica feito pelo BCB, e habitualmente descrito na imprensa como “prévia do PIB”, mostrou uma queda de 0,68% no primeiro trimestre de 2019 relativamente ao primeiro trimestre do ano passado.
Já as expectativas para o restante do ano ainda não estão tão ruins: nesta semana o Ministério da Economia publicou o seu relatório bimestral de execução orçamentária onde trabalha com crescimento de 1,6%, bem menor que o 2,2% da edição anterior.
O Relatório Focus, no qual o Banco Central publica semanalmente as expectativas de cerca de uma centena de especialistas, mostra, para pesquisa feita no dia 17 de maio, uma expectativa de crescimento de 1,24%, estimativa que vem caindo há 12 semanas seguidas.
A consternação diante desses números encontra certa base na “falácia do planejamento”, acima aludida, eis que a realidade está se mostrando pior do que o imaginado. Mas há algo mais, a mensagem é que transformar o Brasil numa máquina de crescimento vai requerer muito mais reformas do que as que estão sobre a mesa, e sob fogo cerrado.
Um relatório de pesquisa recente dá cores dramáticas ao nosso enredo: em duas das quatro últimas décadas, a renda per capita caiu, ou seja, não estamos tratando de apenas uma década perdida, e por culpa de um choque externo, mas de quatro décadas. E se fizermos a quina, ao continuar com hesitações nas reformas, vamos perder meio século.
Muitas coisas aconteceram nesses últimos 40 anos turbulentos, no centro das quais está a hiperinflação e o Plano Real. Lembro bem que uma das mais importantes verdades desagradáveis ditas naquela época foi que a hiperinflação não era mais que um sintoma da falência de um modelo de desenvolvimento baseado em duas turbinas obsoletas: inflacionismo e protecionismo (substituição de importações).
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O diagnóstico era simples: não íamos terminar a hiperinflação com truques heterodoxos baratos, mas com reformas que, naquela época, se confundiam com os “fundamentos” da estabilização, e que também compunham a nova agenda do crescimento.
O desenvolvimento precisava ser reinventado e sua base devia ser o investimento privado e a produtividade e, para isso, era preciso haver mais concorrência, mercados e iniciativa privada. Simples assim. Nós andamos bem nessa direção durante os primeiros anos do real, mas veio o desgaste, a complacência e, em seguida, a Nova Matriz.
Cá estamos de volta à esta mesma agenda, agora abraçada com ardor pelo ministro Paulo Guedes. É imperioso avançar.
Os obstáculos são os mesmos e, às vezes, até os personagens. De forma ardilosa, eles manipulam o nosso otimismo patológico: como somos o país do futuro, e estamos destinados à riqueza, não há nada de muito errado conosco, os médicos estão exagerando, não existe déficit. Assim, vamos adiando o momento de parar de fumar, ou de começar a dieta, e deteriorando ainda mais a saúde do organismo.
Fonte: “Estadão”, 26/05/2019