Nos anos 1950, houve a campanha “O petróleo é nosso!”. As esquerdas, a dita classe média (no Brasil os 5% mais ricos) e a opinião pública em geral foram às ruas por essa bandeira.
Nessa época, 7 de cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola.
Há anos me pergunto o motivo de a sociedade que se mobilizou pelo petróleo não ter se mobilizado pelas crianças na escola.
Na mesma época construíamos Brasília. Novamente, por que motivo gastamos tanto dinheiro com Brasília tendo 7 de cada 10 crianças de 7 a 14 anos fora da escola? Difícil entender.
É comum as pessoas afirmarem que um assunto não está associado ao outro. Discordo dessa interpretação. Os recursos são escassos. Nós não temos todo o tempo do mundo para tudo. As pautas dizem muito sobre a sociedade: se prioriza o que se considera mais importante.
Termos pautado o petróleo e Brasília e não termos pautado as escolas diz muito sobre nós.
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A coisa é mais impressionante, pois nada indicava que Brasília era prioritária. Nada indicava que havia petróleo no Brasil. De fato, relatório de conceituado geólogo americano Walter Link acertadamente sustentava que no Brasil não teríamos petróleo continental, mas que havia chances de petróleo na plataforma marítima.
Levou mais de 25 anos para que conseguíssemos tirar petróleo em quantidade. O petróleo mais caro que existe. Entrementes, algumas gerações de crianças foram criadas fora da escola.
A compulsão no tema do petróleo é expressão de uma forma do complexo de vira-lata. Nós sempre achamos que os gringos estão nos roubando.
É comum esse pensamento com relação aos serviços de utilidade pública. Sempre que o concessionário é uma multinacional, nossa percepção é que a taxa de retorno do negócio é abusiva. Pensamos dessa forma sem nunca nos darmos ao trabalho de calcular a taxa de retorno.
Como lembrou Marcos Lisboa em sua coluna no domingo passado, Marcelo Jourdan há anos fez a conta para a empresa Light, concessionária canadense dos serviços de energia elétrica, transporte urbano e telefonia das cidades de São Paulo e do Rio.
Até 1930 não houve nenhum sinal de lucros excessivos. Com a intervenção do Estado Novo, o retorno baixou, e a empresa foi paulatinamente abandonando o setor, que teve de ser assumido pelo Estado. Desnecessário dizer que a taxa de retorno do investimento em infraestrutura física é muito menor do que a do investimento em educação.
De um lado, tivemos o nacionalismo de um Celso Furtado: os preços dos bens primários tendem a cair, ou as transnacionais cobram lucros excessivos para cá investir. De outro, o bom senso conservador de um
Eugênio Gudin: melhor deixar os investimentos pesados, cujo retorno é relativamente baixo, ao capital externo e nos concentrarmos na infraestrutura social. Gudin, “avant la lettre”, já notava a importância da educação.
Os anos 1950 são a nossa década mais esquizofrênica: ganhávamos finalmente a Copa, em 1958; o Rio era provavelmente o melhor lugar do mundo para viver, se a pessoa fosse “de classe média”; construíamos Brasília; inventávamos a bossa nova; com 7 de cada 10 crianças de 7 a 14 anos fora de escola. Felizmente melhoramos muito como sociedade.
Na quarta-feira (6) passada, na Livraria Cultura, foi lançado o imperdível “Copacabana”, de Zuza Homem de Mello, que conta a história do samba-canção. Boa parte dela se passa no Rio dos anos 1950!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 10/12/2017
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