O acidente com os dois prédios que desabaram no Rio de Janeiro levanta uma série de questões com forte impacto social. A primeira e mais relevante é que seres humanos perderam a vida. A segunda é que dezenas de outros edifícios tão irregulares como eles foram construídos em volta, na mesma região de preservação ambiental. A terceira é que outros acidentes podem ocorrer a qualquer momento. E a quarta é: onde estava o Poder Público que não viu, nem tomou nenhuma providência para estancar as construções irregulares?
Os dois prédios desabaram porque não tinham qualquer estudo mais sério para sua construção. Simplesmente foram erguidos, mais ou menos no olho, com achismos e economias de todas as ordens interferindo na construção.
Antigas análises das condições dos dois prédios mostravam que eles não tinham condições mínimas de segurança, por isso haviam sido interditados desde o ano passado. O porquê de não terem sido evacuados é meio nebuloso, mas há quem afirme que uma liminar judicial impedia a Prefeitura de evacuar os apartamentos.
É sem sentido, mas, se for verdade, a Justiça, em vez de proteger o cidadão, condenou mais de 20 pessoas à morte, permitindo que ficassem em edifícios sem a menor condição de segurança e que, como era de se esperar, desabaram porque não tinham condições de permanecer em pé.
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A soma das respostas para as questões do começo do artigo é suficiente para mostrar o grau de desmandos que ameaçam o Rio de Janeiro. A sensação que se tem é que o Estado apodreceu e que, quanto mais se cavar, mais dramáticas as coisas vão ficar.
Prédios como estes se espalham pelas comunidades dominadas pelo crime organizado. Ao que consta, inclusive, eles são construídos pelas facções e milícias que não têm qualquer vergonha em construí-los e vendê-los para milhares de pessoas que sonham com a casa própria.
A prova de que o quadro é corriqueiro pode ser vista nos anúncios de venda dos apartamentos desses conjuntos. Faz parte da rotina das comunidades e, mais do que isso, os apartamentos integram e respondem por grande parte do patrimônio dos seus proprietários.
Ou seja, as armadilhas são a resposta para o sonho da casa própria, dada por quem ocupou o espaço social de que o Estado abriu mão.
O problema das comunidades só será resolvido quando as autoridades competentes assumirem suas responsabilidades e levarem para os moradores água, saneamento, energia, assistência social, saúde, educação e segurança. Não apenas a segurança policial, mas principalmente a segurança social, aquela que fiscaliza os serviços prestados, a regularidade das construções, a situação das encostas, o transporte, o comércio, a distribuição de gás, internet, telefonia, etc.
Enquanto o Estado não assumir suas responsabilidades básicas com milhões de pessoas que vivem à margem de sua proteção, não há o que fazer. Acidentes como o desmoronamento dos dois prédios erguidos em zona de preservação ambiental continuarão fazendo parte da rotina dessas comunidades.
E o que é mais grave: grande parte das perdas não será reposta, em primeiro lugar porque as vítimas não têm recursos para refazer o patrimônio perdido e, em segundo, porque não podem transferir seus prejuízos para uma companhia de seguros.
As seguradoras não costumam operar em regiões como a Muzema, onde a infração da lei é rotina. Nenhuma delas irá aceitar o risco de um edifício irregular, construído sem nenhum cuidado com cálculos ou outras exigências da engenharia.
Como se não bastasse, muitos dos moradores também não têm seguro de vida. Quer dizer, parte das famílias, além de perder o imóvel, perde também a fonte de seu sustento, sem que recebam qualquer indenização para as duas perdas.
Esses acidentes não são dramáticos apenas por causa do desmoronamento do prédio e a morte de parte de seus moradores. Mais graves são as consequências do evento. Além de perder o imóvel, as famílias que perdem seus arrimos são quase que obrigatoriamente condenadas à miséria ou pelo menos a uma significativa redução de seu padrão de vida.
Fonte: “Estadão”, 22/04/2019