Com 2,2 mil hospitais filantrópicos, que respondem por mais de 50% dos atendimentos do SUS, recebendo pouco mais do que 30 hospitais federais – a maioria deficitária e ineficiente – fica evidente que saúde não é prioridade para o governo. Ainda que movimentos como a recente aprovação de linha de crédito do BNDES para os hospitais filantrópicos reduzam o pagamento de juros, o problema básico, a remuneração adequada dos hospitais, não entra na pauta.
Enquanto isso, políticos de todos os partidos, por todo o território brasileiro, em vez de otimizarem a rede existente, insistem em construir novos hospitais que, invariavelmente, ficarão parados, como acontece com dezenas de instalações, algumas inclusive equipadas, que estão se deteriorando em vez de atender a população.
A realidade da saúde pública brasileira pode ser resumida em falta de recursos e a aplicação equivocada do que é destinado a ela.
O Brasil destina anualmente para a saúde da população perto de R$ 500 bilhões entre recursos públicos e privados, sendo que o setor privado, que atende perto de 50 milhões de pessoas, responde por mais de 60% do total.
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Quer dizer, um quarto da população recebe 64% do dinheiro investido em saúde, enquanto 150 milhões de brasileiros recebem menos de R$ 200 bilhões para fazer frente às suas necessidades médico-hospitalares. Isto dá R$ 1,2 mil por pessoa, ou o equivalente a menos do que o preço de duas consultas médicas realizadas por um professor renomado.
Quem acha que o setor privado é privilegiado não conhece o cenário em que as operadoras de planos de saúde navegam. É verdade, nem todas estão perdendo dinheiro com o negócio e as últimas aberturas de capital de empresas de planos de saúde foram um sucesso.
Todavia, a leitura mais acurada dos movimentos envolvendo os planos de saúde privados vai mostrar que não há um rumo, uma política clara planejada para o setor. Ao longo dos últimos anos, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) baixou uma série de normas que sem dúvida favoreceram o segurado. Mas até que ponto elas representaram ganhos reais e até que ponto não passaram de vitórias de Pirro?
O aumento dos direitos dos segurados é um dado importante e muito bem vindo, principalmente, quando significa um melhor atendimento médico-hospitalar. Acontece que o aumento dos direitos dos usuários significa o aumento dos custos do plano, porque a adição de novas coberturas e procedimentos significa também um desembolso extra, não precificado originalmente pela operadora.
Alguém tem de pagar a conta e no Brasil ela já está perto do limite tolerável. Os segurados dos planos de saúde privados não têm mais capacidade para arcar com o aumento dos preços que (inclusive pela inclusão dos novos procedimentos), sobem em patamares muito acima da inflação – a inflação médica depende de outros fatores, além da inflação monetária, que afeta a economia de forma geral.
Como exemplo, perto de 90% dos equipamentos e insumos destinados a saúde são importados e têm seu preço em dólar. Nos últimos meses o dólar saltou de R$ 3 para mais de R$ 4, isto depois de ter saltado de R$ 2 para R$ 3 também num curto espaço de tempo. Só esta variação coloca os reajustes de preço em patamares bem acima da inflação.
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E esta realidade vale também para a saúde pública, que sem reajuste na tabela do SUS perde eficiência, porque na prática tem menos recursos para atender sua clientela que por causa da crise, nos últimos anos aumentou em três milhões de pessoas.
Se a saúde pública está numa situação complicada, os planos de saúde privados também estão. Eles precisam controlar melhor seus gastos e sabem que não têm margem para aumentar o preço. De outro lado a judicialização das questões envolvendo o tema está custando cada vez mais caro.
Ou começamos a discutir seriamente que saúde a sociedade brasileira quer pagar ou os setores público e privado se tornarão inviáveis. Para isso é fundamental o governo dar o rumo e definir quem faz o que.
Fonte: “Estadão”, 24/06/2019