Diante das investigações que desvendaram o maior esquema de corrupção da história do país, o petismo entrou em transe. Não somente em decorrência da prisão de sua cúpula partidária, envolvida diretamente nos desvios, mas porque enxergava seu projeto de poder sofrer um abalo significativo. A derrocada de Haddad é apenas mais um capítulo amargo que deve se confirmar no próximo domingo.
As prisões operadas pela Lava Jato e saudadas pela população foram abrindo os caminhos escusos pelos quais transitava a corrupção. Um sistema sofisticado e organizado que passava pela contratação de obras públicas, que, uma vez superfaturadas, abasteciam os cofres dos partidos e dos políticos. Remunerados, concediam novas obras para o clube das empreiteiras, uma versão do que é chamado de mecanismo, o modelo tradicional de operação que ocorre em diversas esferas e níveis da administração pública.
As prisões dos empreiteiros e posteriormente dos políticos aliou-se a falência das estruturas sociais da Nova República, evidenciada pela incapacidade do Estado de promover o bem-estar social assumido como sua responsabilidade na Constituição de 88. Isso somente jogou gasolina na crise, que culminou com um impeachment e agora com a renovação profunda das estruturas político-ideológicas no parlamento.
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Ponto fundamental para desenredar o fio condutor da corrupção que se disseminou nos governos petistas foi o instituto da delação premiada, que permitiu aos procuradores entender as regras e os beneficiários do sistema. O instrumento, na medida que atingia ou facilitava os caminhos que levavam aos políticos, passou a ser duramente atacado por eles e por seus advogados. No parlamento, inclusive com desdobramentos reais, onde avançou a passos largos o projeto de abuso de poder, que tem por objetivo
final criar obstáculos para operações como a Lava Jato.
O partido de Lula liderou essa resistência e construiu a narrativa de que as investigações de Curitiba, diante das prisões preventivas e temporárias e do uso da colaboração premiada, feriam o princípio da presunção de inocência, constituindo uma espécie de Estado de exceção, gestado em afronta à Constituição e à democracia. Seus líderes disseram inclusive que não acreditavam em delatores.
Diante de um segundo turno morno e previamente decidido, no qual Bolsonaro abriu uma distância elástica de Haddad, parece que o petismo finalmente passou a rever os seus conceitos. Depois de acusar empresários de financiar a disseminação de mensagens pró-Bolsonaro no whatsapp, Haddad foi enfático defendendo o uso da prisão como meio de obtenção de confissões e do uso da delação premiada como forma de desarticular uma suposta quadrilha envolvida em um esquema até agora sem provas concretas.
Ao levantar esse argumento, Haddad argumenta que a lei deve ser aplicada somente diante dos seus inimigos. Uma postura que em nada rima com a democracia que diz defender. Tudo indica que o abalo sofrido pela perda do poder foi profundo e a falta de autocrítica levará o partido a derrota mais profunda de sua história.
Fonte: “O Tempo”, 22/10/2018