Mais uma vez, trato hoje, neste nosso espaço mensal de encontro, da previdência complementar. Entendo que é uma forma de focar a atenção dos leitores num tema da maior importância para o futuro do País.
Da mesma forma que em muitos outros aspectos, também institucionalmente o Brasil está no “pelotão do meio” entre as aproximadamente duas centenas de países do mundo. Se em matéria de renda per capita não somos a Suíça nem um desses países que parecem ter sido abandonados por Deus, também institucionalmente estamos no meio. Características como o bom desempenho, historicamente, de órgãos como o Banco Central, o Itamaraty ou a Receita Federal – noves fora um ou outro desvio de desempenho em algum governo – se misturam com a baixa qualidade de nossa Justiça, a precariedade de nossa máquina pública ou a insegurança que cerca os contratos, especialmente em determinados assuntos.
A previdência complementar não é alheia a esse panorama e também nesse campo não estamos na “Série C”, mas estamos longe da “Série A”. Entre outras coisas, o que nos falta, fundamentalmente, para alcançar o patamar atingido pelo setor em alguns dos países avançados é ter mais renda. São poucos os brasileiros que têm uma remuneração maior que o teto atual do INSS, de R$ 5.839,45. Assim, é natural que a acumulação de ativos em poder dos fundos de pensão seja limitada, comparativamente ao volume que se observa em países como Estados Unidos ou Inglaterra.
De qualquer forma, é justo notar que a desconfiança que muitas pessoas ainda nutrem por essa aplicação é exagerada. Em minhas palestras sobre o tema sempre escuto alusões a episódios como os problemas em alguns dos montepios na década de 1970 ou os casos – estes mais próximos no tempo – da Varig e dos Correios. Em geral, os (maus) exemplos citados para sustentar a posição de ficar com “um pé atrás” quanto a essa forma de poupança são sempre os mesmos. Minha resposta é que as irregularidades dos anos 70 foram há 40 anos e os mais recentes dos citados – por mais dramático que de fato tenha sido para os participantes atingidos pelos dramas do Aerus e do Postalis – são dois casos graves, sim, mas isolados, e não desmerecem a situação do setor na sua totalidade.
A aprovação da norma da paridade na Emenda n.º 20, no governo FHC, e as Leis Complementares 108 e 109 assentaram as bases da regulação do setor. Posteriormente, o papel do órgão de fiscalização (Previc), cuja fusão hoje está em discussão com a Susep, e as normas do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) criaram um arcabouço jurídico que dá uma relativa solidez ao sistema. Ao mesmo tempo, este ainda não está plenamente preparado para uma situação de estabilidade caracterizada por taxas de juros reais baixas, viciado que ficou por décadas de atuação no modo “desconto dos fluxos futuros a 6%”, algo que, com os juros no nível atualmente observado, esperamos fique confinado definitivamente aos livros de História.
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É nesse contexto que o governo Federal e as instituições – públicas e privadas – que compõem o segmento da previdência complementar têm procurado aprimorar a qualidade da sua atuação, mediante medidas destinadas a melhorar tanto a regulação como o nível dos atores envolvidos no processo. Entre as medidas tendentes a isso se encontram a adoção de exigências crescentes de certificação, a melhora dos cursos de formação e a existência de um conjunto cada vez maior de indivíduos capacitados para lidar com os conceitos técnicos sofisticados inerentes ao mundo da atuária.
Com o fim de dar uma modesta contribuição a esse movimento, em conjunto com minha colega Arlete Nesse, acabamos de publicar em outubro, pela Editora GEN (Grupo Editorial Nacional), o livro Fundamentos da Previdência Complementar – Da Administração à Gestão de Investimentos, que se destina a tentar ser um material didático útil para módulos de MBA nos cursos das áreas de ensino e certificação ligadas à previdência complementar.
O livro está dividido em seis capítulos. O primeiro deles aborda os fundamentos econômicos da previdência, definindo a taxonomia dos sistemas e chamando a atenção para alguns desafios universais associados a tendências populacionais gerais.
O segundo capítulo explica os principais problemas do modelo previdenciário brasileiro, com ênfase no agravamento do seu déficit e na decomposição entre os regimes geral e os regimes próprios dos governos.
O terceiro explica o sistema de capitalização de reservas no mundo e o modelo de previdência complementar escolhido pelo Brasil, destacando a distinção entre os sistemas aberto e fechado vigentes no País.
O quarto trata da previdência complementar fechada, apresentando as diretrizes para o funcionamento dos fundos de pensão, da governança das entidades à gestão dos investimentos e descrevendo o contexto institucional em que eles operam.
O quinto capítulo aborda especificamente a previdência aberta, enfatizando desde as regras para a comercialização dos produtos PGBL e VGBL, até os diferentes tipos de benefícios e os diversos aspectos a serem observados na sua contratação.
Finalmente, o sexto e último capítulo informa ao leitor acerca de evidências referentes ao desempenho dos investimentos em entidades de previdência privada e traz as considerações finais do livro.
O objetivo é consolidar numa única peça um conjunto de questões que, em geral, os professores do setor abordam por meio da menção a livros diversos, de artigos avulsos ou de material na forma de apostilas. Esperamos que o livro possa ser útil aos professores do tema, com vista a um aprimoramento ainda maior dos profissionais do setor.
Agradeço à minha coautora, Arlete Nese, a colaboração na redação final deste artigo.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 7/11/2019