Segundo Marcio Pochmann, coordenador do programa econômico petista, o déficit primário previsto para 2019 “poderia ser superado pela cobrança de alíquota média de 1% sobre grandes fortunas”, concluindo que “solução para [o] Brasil tem, mas precisa de voto popular para garantir a renovação na política”.
Posto desta forma, parece que o complexo problema de desequilíbrio das contas públicas tem uma solução fácil e relativamente indolor, já que apenas os detentores de “grandes fortunas” pagariam esta conta. Negar-se a fazê-lo seria apenas falta de solidariedade com os mais pobres, certo?
Não, errado, o que não chega a ser nenhuma surpresa no que se refere a Pochmann.
De acordo com o orçamento para 2019 espera-se receita de R$ 1,575 trilhão, da qual são deduzidas transferências a estados e municípios (R$ 275 bilhões) e despesas, sem contar juros, que chegam a R$ 1,439 trilhões.
O resultado é um déficit previsto de R$ 139 bilhões, um tanto inferior ao orçado para 2018 (R$ 159 bilhões).
Lançando mão de métodos matemáticos sofisticados demais para Pochmann (dividindo este valor por 1%, ou seja, multiplicando-o por 100), conclui-se que, para que a afirmação inicial seja verdadeira, seria necessário que as “grandes fortunas” no Brasil chegassem a R$ 13,9 trilhões.
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Contudo, conforme a Receita Federal, todos os bens e direitos declarados ao imposto de renda em 2015 equivaliam, a preços de hoje, a R$ 8,0 trilhões, ou R$ 7,2 trilhões descontados ônus e dívidas sobre estes bens e direitos.
Como notado, porém, esse valor se refere a pouco mais de 27 milhões de pessoas que preencheram a declaração de imposto de renda referente àquele ano. A menos que haja 27 milhões de detentores de grandes fortunas, o valor sujeito à taxação proposta por Pochmann deve ser bem menor do que isto.
Se tomarmos apenas o 1% mais rico dos declarantes (nota a Pochmann: isto requer dividir 27 milhões por 100, OK?), ou seja, 273 mil indivíduos, chegaríamos a R$ 1,2 trilhão, menos do que 10% do valor requerido para que a ideia funcione.
Sim, sempre podemos elevar o sarrafo, incluindo na conta os 10% mais ricos, o que traria o total tributável para pouco mais de R$ 3 trilhões.
Ocorre que, à parte ser este valor ainda insuficiente (e ponha insuficiente nisso) para gerar os R$ 139 bilhões que eliminariam o déficit previsto para 2019, o corte dos 10% mais ricos significa incluir na lista de “grandes fortunas” indivíduos com renda mensal média na casa de R$ 11 mil, detentores de bens e direitos equivalentes a R$ 420 mil, que, vamos falar a verdade, dificilmente poderiam ser enquadrados como magnatas.
Por tudo o que foi dito, deve ficar abundantemente claro que se trata de proposta sem um mínimo sentido.
Mais relevante do que a proposta em si, porém, é o que ela revela em termos do processo mental (se cabe aqui o termo) que origina uma cretinice deste porte.
Não houve a menor preocupação com dados, consistência interna, crítica dos resultados e outros “vícios neoliberais”, nem qualquer vestígio de análise econômica, como, aliás, já mostramos no caso da proposta de tributação do spread bancário.
Para este pessoal, o importante é “vontade política” e slogans que soem bonitinhos em campanhas eleitorais. Como programa econômico, não vale o papel em que foi escrito, o que, repetimos, não é novidade para quem acompanha a trajetória de seu coordenador e do partido.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 12/09/2018